28 de outubro de 2008

Sem rimas feitas, linhas perfeitas

Hoje tudo está diferente
Nada é como antes
Deixei o mundo pra trás
E finalmente estou contente



Hoje está tudo diferente
E apareceu clara
A estrada em minha frente

A cortina empoeirada cedeu
Quando você apareceu
E eu pude enxergar
Sem medo de errar

Hoje joguei tudo pro alto
Perdi os motivos pra me esconder
Deixei em casa os óculos
Parti sem a vergonha de ser

E nada será como antes
Sem mais noites distantes

Há uma vontade de ficar acordado
E passar a noite
Contando estrelas ao seu lado

Hoje amanheceu de repente
E me vi em novos destinos
Brotava em mim uma esperança
A força de ser eminente

Nas noites mais escuras
Meu caminho está claro
Por mais que seja desnivelada
Ficou fácil percorrer a estrada

Até encontrar
O brilho no seu olhar
Era quase imoral
Era tudo igual

Não vou negar
Esse desejo
Antes da noite terminar
Quero seu beijo


25 de outubro de 2008

Ajax

Você acredita no que vê?

Ainda existem vestígios de realidade
circulando você
marchando em volta, em volta

Para assombrar suas noites,
os lampejos no céu, as idéias
desconexas
desmerecedoras de crédito
Será tudo ilusão?

Olhe e diga o que vê.
Tudo aqui é sua fantasia
Você pode ser o que quiser, vai voar
Vá voar por entre as nuves
Coruja negra como a noite
Vá naufragar na escuridão da madrugada

Você não está sozinho
Mas segue solitário

Nada do que você pode tocar
Nada do que você vê
E do que você sente
É real

Um calafrio sobe pela sua espinha
Conforme uma outra mão desce
E você aperta, puxa pra perto de você
Puxa pra você
Está tomado pelo arrepio, tesão que te descontrola
O toque erótico, os desejos que circundam
Sua mente carente
Mas isso também
era apenas fantasia

Da sua masmorra preto e branco, de onde você
pensa que enxerga colorido
Não há saída, não há escapatória

Mas eu sei
Que sorrateiramente,
todas as noites
Você sonha
E deixa a fantasia
Foge para o real
E voa através da janela.


23 de outubro de 2008

Saga do homem de virtude

Lançada a sorte, ele tem de esperar que reconheçam seu esforço. Ele almeja a vitória, sereno, sem demonstrar a ansiedade que por dentro o corrói, sem deixar transparecer um fio de tensão.

Lançada a sorte, ele joga ao léu sua capa de cautela, ele se despe da certeza das projeções, mergulha o ego num gélido banho, evita que irrompam os limites espirituais as demonstrações de insegurança que o assolam.

Sábio, ele silencia todas as perturbações ao seu derredor, ele ordena que se aquietem as fanfarras conspiratórias da razão.

"Lançada a sorte, a razão perde o porte"

Lançada a sorte, é como a pedra arremessada de um salto inconsciente: restará aguardar os efeitos do ato inconseqüente.

Na platéia ele aguarda, excitado, sem a movimentação de um músculo. Torce, sofre e, ora sim ora não, vibra, sorrindo para sua consciência, refletindo se valerá o momento que a coragem lhe concedeu.

Lançada a sorte, (ele) tratará de tentar ser tão natural quanto a morte...




21 de outubro de 2008

As aventuras de Yoko (parte 3)

[por Lucila Souza; edição e adaptação por Tiago Gebrim]

Assuntos amorosos realmente não eram o forte de Yoko. Ela lembrou-se vagamente de seu ex-affair, que conhecera em um dos seus últimos cruzeiros internacionais, este feito pelas ilhas gregas em específico, durante as férias de Julho. Naquela época, Yoko havia decidido viajar de última hora, deixando pra trás, sem pestanejar, sua badalada clínica de estética (que tinha clientes com horários marcados até o fim do ano), seus peelings de cristal, drenagens linfáticas, massagens indianas e tudo o que era necessário para a manutenção de uma diva.

O motivo da viagem repentina era que as duas últimas semanas que ela havia passado não eram nem de longe dignas de uma pseudo-celebridade como ela: Yoko ficara sem sentido para viver após a morte de Brigite Bardot, sua Yorkshire Terrier de estimação com quem viveu boa parte de sua vida (relativamente recente) de socialite empresária. A cachorrinha era mais que um animalzinho de estimação, era praticamente uma amiga, era capaz de entender a dona com um olhar. Ademais, Brigite tinha um gosto finérrimo: Yoko nunca se esqueceu de quando sua cachorrinha latira para sua primeira bolsa própria pra cães Louis Vuitton – “foi uma cena digna de cinema” – recordava ela. Foi no momento de maior desespero, com o recém-falecimento de B. Bardot, que a idéia do cruzeiro surgiu.

Ela se preparou minuciosamente e embarcou em Santos, rumo às ilhas gregas. Yoko não tinha, realmente, o que reclamar quanto às instalações: seu quarto tinha vista para um mar azul como nunca pudera imaginar. Após uma semana de viagem o navio aportou na badalada ilha de Mykonos, onde ela conheceu Argus, um belo barman que fazia jus à sua nacionalidade, já que era praticamente um deus grego. Com ele Yoko viveu um amor quase impossível, mas ela precisava voltar à realidade.

Retornou ao Brasil noiva, contudo com o coração despedaçado já que se conhecia muito bem e sabia que era preciso muito mais do que um peitoral definido, abdômen trincado, olhos verdes e um sotaque grego para roubar seu coração bandido. Não conseguia entender como sua memória muitas vezes a lembrava das coisas erradas nos lugares mais inapropriados... era incrível! Mas os pensamentos foram embora de um salto quando a esfoliação acabou e a porta da sala de Henrique Hernandez se abriu...

[Continua...]

13 de outubro de 2008

Decandência

Vamos quebrar a porta
Arrombar as janelas e entrar
Tudo que ele pagou com seu trabalho árduo
Nós vamos pegar

Pichar o muro branco da casa amarela
Quem se importa se ela gastou pra pintar?

Vamos assistir televisão
Até os cérebros se derreterem com a podridão
Enxotaremos os clientes das livrarias
Até que elas virem choperias

Gritem com seus superiores
Espanquem os professores
Maltratem seus genitores
Façam-os chorar
A quem interessa educação?

Joguem os amigos na fogueira
Ridicularizem suas situações
Lealdade e compreensão:
Ideais sem compensação

Lutamos pela indiferença e ingratidão

Vamos fazê-los se sentirem amados
E queridos
Vamos fazê-los se sentirem
Respeitados
Vamos encorajá-los a fazer o bem
Com a finalidade do mal
A intenção no mal

Vamos vê-los dançar
Rir e cantar
Celebrar com o olhar
No fim eles vão chorar

Vamos arrombar a porta
Quebrar as janelas e entrar
Quem se importa se
(Ele) levou tempo pra pagar?

“Não agora John
Nós temos que continuar com a exibição do filme
Hollywood nos espera no fim do Arco-íris
Quem se importa sobre o que é
Desde que os meninos assistam
Então não agora John
Nós temos que continuar com o show!”

6 de outubro de 2008

The Final Cut

And if I show you my dark side
Will you still hold me tonight?
And if I open my heart to you
And show you my weak side
What would you do?
Would you sell your story to Rolling Stone?
Would you (...) leave me alone?

[Roger Waters, 1983]



5 de outubro de 2008

A little demonstration of Madness (Reflexões de madrugada solitária)

É fria a madrugada, ainda que o clima esteja quente

As paredes brancas do quarto me desnorteiam
Quando percebo que estou preso no asilo mental
E nada do que faço
E por mais que eu tente fazer
Nada
Nada pode voltar o tempo, nada pode mudar as opiniões
Os (seus) receios

E em meio ao travesseiro sufoco
As inseguranças irrompem o limite epitelial
E tudo se transforma em desespero

Não tenho como fugir
E tudo se transforma em desespero
Quando constato minha ignorância
Quando me deparo com minha incapacidade

Os problemas não resolvidos (que não serão resolvidos)

E
Eu ainda não estou satisfeito

O capim esverdeou mais uma vez
No fim desse setembro
Mas não foi como antes

É fria a madrugada
A rede está vazia
E eu ainda ocupo o mesmo lugar
(na cadeira amarela)
A xícara de café não responde as minhas inquietações
E não alimenta minhas teorias conspiratórias

E meu único refúgio é pensar que nada é definitivo
Que para a morte
E apenas para ela
Não há uma segunda chance

E me conscientizo de que minha fraqueza é acreditar ter quatrocentas e noventa chances

Meus dedos estão ficando amarelados pela nicotina
Mas encher o pulmão de alcatrão
Não tem adiantado mais