27 de abril de 2009

Depositário

Êeeeeeeeeeeeeeeh!

É tarde de segunda-feira e tantas coisas me vêm à cabeça...

Serpenteia por entre meus dedos a vontade de lhe abraçar, e esse é o pensamento voltado para você.

Do outro lado, em outra semiface de uma face multifacetada meu dedo aponta para aquele céu limpo e para as árvores religiosamente dispostas no terreno. E me lembra dos ritos realmente religiosos, das redes que balançam e da cadeira.

Da cadeira. Da garrafa. Dos livros. Dos cadernos abertos em páginas de estudo.

Mas aí já não quero mais pensar tanto, e me distraio com o centro da cidade, aonde vou agorinha fazer umas compras especiais. E nessa correria urbana, o vai e vem de carros me lembra do meu carro que foi encontrado, do seu coração despedaçado e da trabalheira que vou ter essa tarde.

E as compras, onde ficaram? Vão ser feitas antes que eu acenda o próximo cigarro.

Ê tarde de segunda-feira onde minha imaginação voa, e meus braços tomam tantas direções, seguem tantas sugestões. E provavelmente a sugestão mais forte é São Paulo.

Êeeeeeeeeeeee segunda-feira!

23 de abril de 2009

Há uma pequena desordem no pátio central

Todos sentados!

(Vozes ao fundo)

Bagunça desordenada, nos abençoe!

E você, me abrace forte

Comemos chocolates, mousses e pudins

Olhando pela fechadura da janela

E catando anjos, matando-os com nossos marfins

Você precisa se inovar, querido!

(E me abraçar forte)


Esquiamos nesse frio, sem freios

Nunca tão fundo, nunca tão seriamente

Antes que os ruídos acabem

Antes que me seja possível ouvir meus pensamentos, me abrace forte!

Ah, ah, ah
É o estímulo, é o princípio
Ah, ah, ah
É o precipício...

Além, para além do deleite
A princesa eleita balança suas tranças douradas na sacada
E por detrás a bajulam os políticos patrióticos, os desafortunados metódicos
Felizes agora, infelizes depois, quando estiver a monarquia restaurada

Ah, ah, ah...

E você, me abrace forte!

As entidades nos protegerão
Fogos, vértices, arestas
Minhas ferramentas de precisão
Vou continuar lhe vigiando pelas frestas (nunca dorme)

Nunca dorme!
Nunca dorme!
Nunca dorme!

(E enquanto sonhamos tudo isso,
descendo ao inferno pela escada do paraíso,
me abrace forte, querido!)

19 de abril de 2009

Sem permissão para decolar

Respire e estremeça
Eu vejo seu lado bom
Eu espero o algo antes que aconteça

(E se no fim você me desprezar
Se na última hora me descartar
Estarei ajoelhado diante de sua sombra a rezar)


Continue, em frente
Minha admiração por você é crescente

E agora há algo a me agradar
A provocar, a despertar
Uma paixão incontrolável
Um sentimento encenável
Vou seguir seus passos com conformidade
Vou cultivar os desejos de intimidade
Você não sabe o quanto vale

É mais que a moeda que sustenta esse enfoque
Nada será mais prazeroso que o seu sensual toque

Lá fora, onde foram, há uma brisa aconchegante
Me leva alado, me faz baixar a guarda
E se quando eu lhe soprar os lábios, não puder ser tão sincero quanto devia
Perdoe-me a atitude irritante

Eu estarei ajoelhado diante de sua sombra vultuosa
Tecendo falas felizes e canções com sua face
Terei encontrado o que faltava no espaço vago
Meus sonhos estão embasados com sua sinceridade formosa

13 de abril de 2009

Nota de falecimento


Quando ele faleceu
Deu-se as quatro badaladas
E as senhoras de preto, engravatadas
Deram a última palavra para o não-judeu

Às quatro horas
Quando mais que o sol escapava
As meninas e as árvores de amoras
O carro preto em minha porta esperava

Passaram-se dias e noites, semanas
As cobertas brancas se sujaram
A poeira cobriu por toda a parte as entranhas
E sem seu fiel protetor, as rosas não prosperaram

A casa agora é vazia
Durante a noite, escura e fria
Ao longe se ouve o bater das janelas
Abertas ao vento, como ficaram também sujas as panelas

E hoje não tenho mais seu amor
E todos os domingos passo de joelhos na minha sacada
Contemplando de longe a serra, a paisagem amarelada
Na cama vazia, o fogo não tem calor

As promessas de eterno valor
As esperas e as vezes que estive às voltas
Com seu caráter protetor
E então despencam as revoltas

Nunca mais me apaixonarei por outro alguém
Não fará mais sentido procurar uma pessoa além
Tudo o que eu queria ter, a pessoa que eu queria ser

Agora é a tardia hora de me despedir
De seu corpo sem vida
De sua alma perdida
Soltando a mão, deixo de ser seu peso, deixo-lhe enfim partir

11 de abril de 2009

A partida

Pense nas crianças
Nas infantes fontes de esperanças
E vá
E não olhe mais

Ouça todos os clamores
Os desesperos dos senhores
E vá
E não olhe pra trás

Veja, estão todos lhe acenando
Perceba os corações e seus clamores lhe ovacionando
Há nas multidões um sentimento de paz
E no seio do lar, um vazio, um medo
Estou deixando o futuro ir de modo fugaz?

Olhe minhas mãos calejadas
Mas não reclamo, te dou forças encorajadas
E vá
E dê um passo a frente

Sinta meus olhos cerrados
Suas pálpebras e cílios, molhados
Mas me mantenho firme
Piso forte essa saudade que me deprime

E quando já estiver a noite em alta
Quando a solidão bater forte, nesse campo de sorte
Pense que tanto quanto eu aí, você aqui faz falta
E vá
E batalhe bravamente

10 de abril de 2009

Mas não, não era atemporal...

[Parte 1]

Ei você, preso nas cobertas
Remoendo sua vida

Ei você, que não consegue se levantar
Sentado na sacada vendo o tempo passar

Ei você, que sente desespero
Que não sabe quando correr
Que pensou o caminho e se esqueceu do plano B

Ei você
Preso em tormentas
Morrendo aos poucos enquanto a vida acontece lá fora
Escalando as paredes para saber o que tem (lá fora)
Mas a tampa se fecha
E você está de volta no escuro

Ei você, sentindo frio cerebral
Ei você, que pensa ser imortal
Ei você, você - a rotina banal

Agora não há mais volta
O eterno retorno já não é mais eterno
As pedras rolaram, o carro andou
O que sentia por mim, o que eu sentia por você acabou

Ei você, preso no remendo
Comendo farofa e acidentalmente marcando a estrada

Já não mais te sigo
Não tenho a obsessão

Ei você, eu gritei pra que me ajudasse
E continuou sentado na sala de leitura


[Parte 2]

Sei que está olhando pela fechadura
E a casa aí, toda escura

Não há perigo, não há ladrão
(Essa é minha concepção)

Mas o medo retorce, você involuntariamente se contorce

Há buracos em sua mente
Há falhas na sua razão
Não estão te perseguindo
Não estarão invadindo

Seu olhar triste me fazia sentir compaixão
Mas a indiferença deteriorou a compreensão
E pelo buraco da fechadura a vida passa, enquanto você se confina
Na sala de leitura


[Parte 3]

Mas veja
Os livros estão todos no chão
E em sua mesa, numa xícara velha o café esfria

Os anos dourados se passaram
Conforme suas entradas aumentaram
E as frias laminas não puderam compensar minha falta

Talvez por isso eu saiba hoje
Por meios honestos ou não
Onde é sua morada agora

6 de abril de 2009

Resquícios do eco

[Echoes. Olga Spiegel, 1972]


Não, mais que uma noite frente a televisão, com os olhos paralisados pela rebelião de cores, pelo leilão de atenção...

Numa multidão inteira eu estou completamente só, perdido. E por perdido, estou cego, estou tateando desesperadamente. O que?

Sim, sim. Eu caí no poço profundo, de onde eu só escuto. Há vozes que me dizem tantas coisas, as direções infinitas me prendem sem saber aonde devo ir. Acima da minha cabeça há uma luz acesa, longe de mim, longe de mim, um finito sem fim, não consigo alcançá-la.

Estranhos passam ao meu lado, e me olham com um olhar tristemente natural. Eu procuro entre eles faces conhecidas, eu invisto a minha atenção. Mas não adianta, nenhum deles sou eu. E em busca da identidade estou rodopiando nesse centro, consumindo meu próprio tecido como busca de uma nova vestimenta.

Dentro do meu quarto há uma lâmpada que tudo ilumina, eu posso ver pela janela. Claramente está sentado em minha escrivaninha, fazendo trabalhar minha máquina de escrever. Estarão usando minhas idéias, estarão roubando meu espaço, meu pedaço do céu? E minha mãe agora os reconhece como filhos?

Mais que uma noite congelado frente à televisão, tenho medo dessa invasão...

E na beira da estrada, vejo o eco distante dos carros. Luzes lá longe, que distorcem minha visão desprotegida pela noite. Eu penso que vejo monstros. A estrada se abre diante de meus pés, a luz me encara e eu suspiro com asco. Não quero respirar. A luz me encara e eu só posso correr, estou cercado pelas cercas esquizofrênicas do meu intelecto. Fujo do carro acelerado.

E estou de volta dentro do poço. Escuto os gritos de minha mãe. Tento me esconder, ela está se aproximando. Ouço a velha gaita me perseguindo, meus pesadelos vêm à tona enquanto meu corpo afunda na água gelada. A outra louca, ela e o quinteto familiar, eles lideram o motim contra mim. Os ouvidos imergem enquanto uma seqüência de gargalhadas dissonantes espanta os morcegos e abre caminho na estreita passagem do poço. Estou assombrado, meu corpo congela o líquido e tudo fica viscoso.

Lá dentro a televisão ainda está ligada e contempla furiosa a sua audiência inexistente no sofá.

Fecham-se os olhos, para-se o relógio consciente. Permanecem ainda por muito tempo os sons arrepiantes, a gaita enferrujada e as escabrosas risadas escandalosas de escárnio. Infarto, parada respiratória e convulsão. Nada mais lembra a prometida revolução.

Silêncio.

Silêncio.

Silêncio.

O tempo passa, as eras mudam. Os ventos gélidos vão-se embora. A noite lentamente dá lugar a um azul tímido que começa a tingir o céu.

São constantes os batimentos em meu pulso e os olhos se abrem ao primeiro sinal de luz.

O vento da manhã começa finalmente a transpassar meu peito, e chegam ao olfato os odores de café-da-manhã. Amanhece e o corpo emerge da água fria, quente.

O relógio funciona ao serviço das mentes mortais, alimentado pelas doentes marcas das pressas temporais. Minha face reconstitui-se de pequenos momentos resgatados da boa memória, depois de limpos da inglória. Na rua as coisas continuam quase iguais. As pessoas caminham com os diferentes destinos, mas agora vejo um pedaço de mim em cada rosto.

Na passagem, na estrada que me levará ao céu, aparecem as primeiras marcas dos pneus me indicando o caminho.

3 de abril de 2009

Eterna liberdade do amor

De repente o mundo se abre
E caindo nos encontramos, num céu aberto, num destino incerto

Voando pelos ares
Os braços abertos, se acaba o medo
Enfrentamos o desconhecido de olhos fechados

Estou chegando perto do ponto
É preciso determinação
É minha ação, é minha intenção

Com coragem prosseguimos, estamos dispostos
Ao acaso, não por acaso

É tudo intencional, não há envolvimento acidental
A timidez é então agora intimidade
A verdade chega cada vez mais perto

Um olhar
Um toque
Um beijo
E todo um futuro passou

E nos vemos voando
Atravessando montanhas e nuvens
Acho que modelos foram quebrados

É uma luta incessante para que todos sejam
Declarados normais

E então nos tornamos imortais

A força que se compartilha
Atravessa tempos e quilômetros
Corta o ar na velocidade da fagulha de pensamento

E a noite repouso, de asas fechadas
Mas penso no hoje, e nas épocas a serem lançadas

É instigante, é gratificante

Um olhar
Um toque
Um beijo
E o dia chegou