28 de novembro de 2010

Desordenado, eu

Estou andando no corredor escuro. Minha visão é limitada, quase nula. Nos braços, as fissuras dos passos dados em direções incorretas, nas pontas dos dedos os cortes pela excessiva exerção do tato. Os ouvidos escutam vozes distantes, embaralhadas na confusão do desespero. As paredes sinuosas entortam e se retorcem assim como a esperança. Há falhas no processo: há passos a frente, há retrocesso. Pouco a pouco saio do lugar, mas cada modificação me reconduz a uma nova configuração de ambiente e é difícil prever, é difícil entender. As pedras dos limites estão úmidas como antes a libido, mas o ar é seco. Meu isqueiro não funciona, talvez porque não tenha mais fluido, talvez porque eu não queira ver a luz. Talvez porque eu não queira aceitar me conscientizar de onde desembarquei afinal, desde a fuga naquela quinta-feira fria. A escuridão me protege de conhecer o que me tornei depois de toda a dor? As mãos retalhadas não conseguem me dizer a textura da face, mal sinto os cabelos. Desordenada passagem do tempo, se a há. Ritmados e constantes, apenas os muitos pulsares do meu coração, da mente febril, das vozes que ouço do outro lado de cada fronteira. Pouco a pouco saio do lugar, mas tenho a leve impressão de andar em círculos...

23 de novembro de 2010

Casa da vida

E era no casarão sem velas que eles se encontravam... Havia uma sala onde as portas se abriam para dentro, para dentro dos corações apaixonados, e o candelabro empoeirado recitava poesias ressignificadas sobre o amor, essas coisas assim...

Nas janelas (re)desenhadas de acordo com as vontades de cada um, umas eram fechadas demais, outras deixavam soprar a deliciosa brisa das tardes com chuva. E era mais ou menos assim, essas coisas assim...
No berço de ouro deitava-se o rei, era o berço de outro? Seu cetro cravejado de brilhantes ideias que relampejavam lá fora, eram os trovões, eram as ações de provimento, eram as ordens de divertimento. E que todos se amassem, e que todos se abraçassem, essas coisas assim.

Assim, assim e desse jeito, no casarão sem velas e sem energia elétrica, onde só as luminescências dos corações aquecidos iluminavam o caminho desconhecido entre corredores, quartos e porões abandonados. A cozinha de pé-direito alto tinha ladrilhos coloridos e torneiras emborrachadas, onde a água molhava de acordo com a cor preponderante. Preponderante era o tom animado do tempo, ditado entre cantorias dos relógios, dos talheres chacoalhantes nas muitas multi gavetas.

E era no casarão de cores apagadas por fora que a vida se agitava por dentro, embora ninguém suspeitasse que, naquela fachada antiga e rajada, o sangue pulsasse com empolgação... Era assim, essas coisas assim...

10 de novembro de 2010

O fim da canção...

Por detrás das sombras, ecoando dentro de minha cabeça, os passos que foram dados na direção incorreta. Almejando o sucesso nunca alcançado, os pesadelos, senhores, retornam. Alguns imersos em torrentes de dor, alguns tentando se aproximar a um ideal de sublimação. Frágeis...

A torneira foi aberta.

Há uma grande mata, escondida pelos devaneios de los mayores, pelos senhores da reprovação. Presos entre seus galhos, dependurados como as folhas, os temores banais e os insólitos, as realizações incompreendidas, a glória doméstica.

Arrasada, mais arrasada a cada tempo, a consciência do orgulho, o orgulho, estão todos em chamas. O dedo apontado faz obscurecer, a palavra dirigida, diminuir. E tudo se encolhe. Os méritos estão a perigo. Por enquanto, a grande tormenta os observa de cima. Está esperando sua deixa...

A torneira foi aberta. A mão deitou-se sobre o registro, as gotas jorraram, vigorosas, um exército incontrolável, sedento da sede que não podia ser saciada. Jorrou também o sangue do outro, a bem feitoria não posta na balança. Os atos deixaram de valer, os olhos foram fechados. Nunca mais as boas ações, nunca mais a tentativa do êxito. E a tormenta desaba, e a mata escorre, e as sombras se dissolvem no grande nada por demais escuro, demais vazio.

Há uma singela canção, que longe toca enquanto todo o mais vai sendo engolido. Como o fim do disco, chega o fim do por do sol, e a escuridão devora. A torneira aberta, também ela é absorvida pela água sem direção, foi traída pelos soldados a quem libertou, e nada mais é o lugar que devia ser.

Longe, a vitrola sinaliza, de dentro da cabana de madeira envelhecida, o último fechamento das cortinas.