29 de junho de 2011

Direção: [desconhecido]

“Quando eu me fechei, fecharam-se também as portas para ele. Quando eu saí, seu mundo desabou.”


E eu disse Caminha, velho amigo, é longa a estrada. A falta de esperança tornou-se ambígua ao seu padecimento. Enegrecidos os sonhos, as pontas dos dedos e a retina são apenas fuligem. Farinha do mesmo saco.

Eu esperei, eu gritei pelo seu nome. Eu sentei-me em círculos enquanto aguardava sua mente confusa se decidir.

E eu ordenei Levanta-te, companheiro. Mas o brilho de seus olhos estava amanhecendo cada vez mais apagado. As lágrimas que derramaste não foram suficientes para guardar algum tipo de lubrificação. Seu coração fatigado, as fibras endurecidas, não foram apenas suas palavras que tornaram-se ásperas.

Acendi um cigarro, deixei a fumaça lavar meu desespero. Pareci sereno, mas estava manco, apoiado em muletas que criei com o bojo de fracassos que carrego, com as lições da existência sobre como não acreditar nas tais humanidades. Esmigalhei na mão direita uma folha seca, vi os fragmentos voarem livres, mas nem tanto, pelo vento frio.

Minguou o tempo, o relógio parou. Nesse estado de quase morte em que se permite, a oportunidade já passou e afagou seus cabelos castanhos mais de uma vez. Você nem percebeu. Agora estende a mão, tenta agarrar algo invisível, não segue uma linearidade lógica. Oh, não...

Eu me omiti em opinar. Eu esperei, pacientemente, que pusesse ordem em suas prioridades. Eu fiquei aqui, permaneci aqui até que tomasse a frente, até que discernisse. Foi aguarde em vão, tempo sem frutos.

Nessa manhã de inverno, agora, nem o anjinho eterno da fonte envelhecida poderá lhe indicar o rumo correto. Eu, espectro, posso acariciar seu nariz arredondado, mas nem esquentar suas orelhas, nem nada mais. Minha voz está para sempre inaudível, minha imagem transfigura-se diante de sua visão incrédula.

A dor lhe tornou uma estátua de amarguras.


17 de junho de 2011

Manual simplificado do amor

São uma da manhã e minha xícara está cheia. Minha vida está vazia? Devo esquecer algumas pessoas do caminho?

A receita não está pronta. Alguém esqueceu de anotar a quantidade de farinha. E agora? Como vou preencher a lacuna? Parece-me que alguém riscou uma anotação importante aqui, o que estava escrito por debaixo? Como vou completar o sentido?

São uma da manhã e meu cigarro está inteiro. Estou acabado, então? Devo reler algumas mensagens no celular?

Latejante é a saudade de quem está distante. Será que aguardo em vão? Haverá outro a esperá-lo no saguão? Latente são sentimentos recentemente expostos. Dilemas e corrupções, será que haverá recompensa para minha espera[nça]?

É que nesse tempo todo eu não aprendi a depositar confiança em um corpo apenas. É que, pelos caminhos da vida, eu entendi que os outros iriam me puxar para baixo. Por isso que eu ando tão distante do chão, por isso eu tenho o meu próprio pique. Aqui, só eu me escondo. Fiz certo?

É que, de repente, na iminência da mudança, apareceu-me esse dilema. Fruto da corrupção. Fruto do encontro desprevenido, da literatura dos olhos, da respiração mútua e desconfiada. Ainda sim, da correspondência confiante. E agora você está debaixo do meu travesseiro. Por cima da minha cama.

O ritmo me anima, eu não consigo pregar os olhos. Fiz o certo? E agora, o que virá no dia de amanhã? Parece-me que acordo e sua imagem ainda está aqui. Sim, ela não quer se desprender e eu não quero soltá-la. É uma querência mútua. É uma querência mútua? Essa vibração em uníssono. Por um momento, somos apenas de nós.

Eu acho que posso dizer – estou feliz. Eu acho que é possível avistar que, embora o futuro seja embaçado, a satisfação é concreta. Não, não deveremos medir o tempo pelo relógio. Vou rasgar o calendário. Não fará sentido contar os dias enquanto persistir a atenção. Enquanto perdurar o beijo, os ponteiros estarão pausados.