24 de junho de 2013

Augusto, Marília, ou apenas um deles, ou os dois ao mesmo tempo




“Não me declaro, mas não me contenho.”


Em noites quentes, abraços e ingredientes. Ele está lá, a vagar, ela considera, pensa, ela vê o que ele, distraído, apenas expira em forma de fumaça. Noite quente, tapetes e carícias. O sentimento velado é cuidadosamente acolhido, mas tudo pode desaparecer na manhã seguinte. Confortável amnésia? Não há lugar para re-sentimentos, tudo é tão puro que se passa como se não passasse, como se não existisse.

Augusto não cuida, Augusto acontece apenas. Como deve ser, ele diz, quando é natural. Marília repreende a si, não é calculista mas é como se fosse. Marília estuda, Marília teme, quase sofre, mas de repente estala e percebe que é exagero demais. Um balé descompassado, uma dança em salas escuras, mas os passos estão se encaixando, estranho, os passos não saem em falso. É melhor que o concerto não pare, pensa um deles – ou quem sabe ambos?

Esta casa está cheia de sal. Sal, sal, salve! Sala, quartos, banheiro, ela está cheia de si, ele é a própria beleza da juventude, salve! Esta casa está cheia de sal.

Se Marília definisse sua angústia em uma palavra, esta seria 'hiato'. Ela não fala por ele, mas com cigarro entre os dedos, reflete, conspira, repreende-se, quase se reprime, mas não, Que exagero!, brada em silêncio. Mas Augusto não percebe que há hiato, pensa ela por ele, porque sua vida é fluida e a barca rema em águas coloridas. O colorido é questão de ponto de vista, e Marília enxerga a vida por meio de óculos em preto e branco, que ela teima em chamar de maturidade, mas talvez seja isso apenas uma forma engessada de viver. Liberte-se, ela diz pra si. Augusto em silêncio. Mas e sobre o hiato?

Conforme passavam os dias, o hiato a fazia se sentir desmerecida por um sentimento que nem mesmo sabia afirmar se cultivava. Ela, que era ele também, e conservava uma postura serena e comedida, mesmo que um pouco ali fosse por esforço. E ele? Ele, que talvez não percebesse nada daquilo, pois vivia apenas, com toda a beleza de viver, e sem se atentar para as dimensões subterrâneas dos atos. Ou, se percebia, era um ótimo fingidor. Mas dela havia ele bebido um pouco e, da mesma forma, havia agora um 'algo' se insinuando por ali. Podia ser bom, podia não ser. Mas existia.

Em Marília, que também era Augusto, havia uma esperança que brotava cuidadosa, Esperança do quê?, ela se perguntava, enquanto regava a esperança e podava a angústia até quase reduzi-la a um talo. Não podia arrancá-la porque ambas compartilhavam a mesma raiz, e executar a angústia significava destruir para sempre qualquer esperança. Ela se sentava e desenhava em círculos, batia à máquina sem vontade, desconfiava de quase tudo, menos de seus passos largos: e em Augusto, que era Marília um pouco, talvez menos que ela o era, brotava o quê?

Difícil era largar-se ao tempo para tentar encontrar respostas para o que muito dificilmente seria perguntado. O balé era dançado em tempos diferentes, e o estranho disso tudo era como os passos, até então, eram dados no momento certo. E o medo de pisar um pé, de ir rápido demais ou cair na letargia e perder o movimento? Mas, claro, tudo isso podia ser uma tremenda duma besteira. O que começou de olhos vendados não precisa temer a falta de direção, pensava um deles. Quem?

E, claro, talvez Augusto nem existisse, aquele Augusto não. Só na cabeça de Marília. E, quem saberá?, Marília não passasse de uma fantasia delineada de Augusto, e que apenas de tempos em tempos fosse trazida à vida. E numa quarta-feira qualquer, quem ontem era Augusto amanhã seria Marília, e quem ia perceber?

A casa está cheia de sal. Sal, sal, salve! A beleza do acontecimento é que, de tão singelo, ele nem parece existir. Mas existe.






5 de junho de 2013

Contato




Meus sentimentos em aberto. Minhas emoções, pulsos eletromagnéticos que viajam galáxias. Percorrem o tempo. Minhas ideias me fecham, o coração explode, o peito se abre novamente. Revoluções por sensação, sentimento saciado, é vida, é vida, isto.

Meus sentimentos, sóis em combustão, iluminam meus próprios olhos, minha face clareada como que por uma fresta de luz, e um sorriso. O sorriso ninguém vê, guardo-o pra mim, mas os olhos abertos também sorriem e denotam o que ocorre logo abaixo. Doce música transcendental, percorre o oco do espaço, que alguns dizem ser matéria escura, outros o vazio imensurável de uma alma cujas esperanças foram perdidas. Mas eu sei, é vida, isto.

De um ponto a outro, traçados a esmo, a mesma solidariedade, a mesma bondade. Sentimentos em aberto, estes meus, conectam minha vida a pessoas que nunca vi com os tais olhos sorridentes, mas as sinto e elas vem, de outros cantos, de outras partes, de braços abertos a me apertar, e nesta fusão os corpos não importam mais, nem a distância, são sentimentos, sentimentos em aberto que ultrapassam a barreira entre planetas, que circulam energia por anos-luz e quantos mais. É energia pura, é vida, isto.

Sentimentos em aberto, trazem laços pré-escritos, completam e contemplam a completude, milagre primordial da vida, o encontro de mãos e a correspondência de sorrisos. Quantas pessoas no mundo e quantos mundos por descobrir, quantas radiações de amor chegarão até nós um dia nesta vida, e em outras, de lugares que jamais pensamos em conhecer? Sentimentos em aberto que jamais encontrarão o fim: o coração explode, o peito se abre novamente, revoluções a cada sensação.

Viva!