16 de março de 2011

A sincronia das intenções

Você lê a minha mente?


I

Viro. Viro e olho novamente. Meus olhos não já possuem os mesmos fachos. Eles iluminam outras direções. Disfarçando, encubro-os. Por dentro explode toda a satisfação. Por dentro. (Um novo mundo está se formando. Dimensão: desconhecida.)

- Carregue consigo o prazer de cada instante deste momento. Cada detalhe pintado em puro ouro deste céu, estas nuvens douradas em movimento. 
- Fantástico, fantástico. Ainda estará assim amanhã?

Eu. Deitado em uma maca fria, meus sentidos (parecem) desligados. Você me estuda, você observa e anota. Cada sonho é representado, cada detalhe aparente não escapa ao desejo consistente. A sonoridade, a musicalidade mágica se mantém.

Você percebe minha oração inconsequente?

Estamos a alta velocidade no meio do cerrado. O chão duro toca nossa coluna, os estalos do carro baqueiam o espírito, os olhos de todos estão sincronicamente fechados. A dimensão não é mensurada. A mão se estende, cega, ávida por um encontro. É quente a experiência? O caminho é percorrido com cautela, o tempo se alheia ao percurso dos ponteiros. A aposta é feita com expectativa acumulada. Mas se, ao final do movimento, o toque não se concretizar, terá sido em vão todo o desprendimento. Jogados ao ar bons bocados da autoestima tão cara, tão rara. A mão se contorce, no retorno frio, na fuga para si. Não há mais os bons fluidos da surpresa. Alguém ficou completamente só nesse jogo.

Todas as cores foram mortas. Ainda que sejam abertos os olhos, apenas o negro da noite profunda passeará pelas córneas.



II

Você pensa me conhecer. Minha anatomia simplificada te seduz. Seguro está, seguro você prossegue. É fácil, não há reentrâncias secretas. Compacto e em medidas cabíveis, posso te acompanhar em todos os lugares. Minha estatura jovem, meus cabelos curtos. Os olhos castanhos não chamarão tanta atenção.

Quem é ali na janela do ônibus? Onde está minha mão segurando a sua? De surpresa, eu não estou mais aqui. E ali, a distância, quem paira sobre sua sombra? Um leve aceno faz brilhar seus olhos cabisbaixos. As orelhas em pé, atentas por perceber algum sinal.

Eu estou no porta-retratos, eu mando-lhe beijos por debaixo do vidro. Mas, não, é apenas uma impressão no papel. No seu cinzeiro, eu grito por seu nome. Estou debaixo da escada, brincando com seus sentimentos? Há um vulto claramente com pernas cruzadas sobre seu gramado, e já passa da meia-noite. Onde foram parar nossos encontros apaixonados?

Viro. Viro e olho novamente. Estou deixando tudo para trás, os panos estão espalhados pelo asfalto. Talvez não seja exatamente eu quem está queimando nossos planos de felicidade. Talvez haja um reflexo distante, uma figura indistinta, o filho dos nossos medos, a criatura a que nossas mútuas incompreensões deu vida. Veja, está ele ali, no espelho velho da sala! Cubra-o, ponha-lhe os lençóis. Talvez não sejam as batalhas que me fizeram partir. Não partiu você já primeiro, levando embora algumas palavras de desculpa que deveriam ter sido distribuídas? Talvez, sejamos apenas crianças imaturas, brincando de viver.

Por ora, todas as cores foram mortas.

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