31 de maio de 2011

Onde vou me sentar agora?

“Parece que, nesse intervalo, perdi meu lugar. Onde vou me sentar agora?”


Eu, que costumava viver paixões desmedidas, estou sentando nesse lago seco agora. Em meio a algumas ervas daninhas, próximo a pedregulhos que desafiam o esquadro por sua angulação ameaçadora. Mas mais ameaçadora agora é a minha situação de pensamentos. Desordenados e descabidos, onde eu vou me sentar agora?

Em meio a uma sequência de eventos que eu não controlei alguém ligou o ventilador e soprou toda essa areia para cima. O deslanchar da música não coincide com o abaixar da poeira. Eu não enxergo, eu ando com as mãos sobres os olhos, eu dou passos em falso. De repente toda a segurança caiu por terra, quem está no controle agora? Onde eu deixei cair a peça?

São sentimentos que me travam dessa maneira e impedem minha mente lúcida de tecer soluções racionais? Quanto mais me debato mais parece-me afundar todo o barco. Eu olho em volta mas as motivações parecem ter cavalgado para muito além do horizonte, onde também o sol já começa a se por. Onde vou aquietar minhas angústias agora?

As trombetas tocam ao longe, as lágrimas escorrem perto demais. Sou responsável por mais de uma vida? Como tentar apaziguar as situações, como tornar tudo menos doloroso? Como vou extinguir a dor? Alguém me dê um manual de como resolver essas charadas que encontrei sem solicitar. No final das contas, cada um seguirá, solitário como sempre o fora, a sua vida, em rumos opostos? São vias paralelas, sem um ponto de intersecção futuro?

No final, parece que já estive nesse cenário antes. Ele é sempre nebuloso, para onde quer que se olhe não há alvorada. Onde vou, meu Deus, me sentar agora?


26 de maio de 2011

Alegorias

Quando as nuvens cobriram a maior parte do horizonte, estava anunciado o destino do resto da tarde. Chuva. Daí a pouco a vista era esbranquiçada, pálida como suas mãos. Dividiam-se em duas partes. A primeira, chuvosa, era um manto branco delicadamente ali depositado. Mesmo as altas torres de telefonia ficavam tímidas em meio àquele cenário – mal se via seus espectrais corpos projetados. A segunda parte eram os campos pra cá dessa cortina. Embora não houvesse qualquer evidência espacial de divisão, eram como se uma cena se tivesse colocada sobreposta à outra. Não se tinha sinais de água caindo e era bastante límpida a imagem das plantações, diversas elas, umas mais verdes e outras menos. [IP²] Hortaliças, milho e alguns punhados de pés de café eram facilmente distinguíveis. E ainda havia as casinhas simples, cunhadas com tijolos furados e sem acabamento de pintura.

[IP¹]

Não demorou para que a noite chegasse, empunhando majestoso manto vermelho, excessivamente cravejado de brilhantes estrelas. Tingindo de negro a terra em que passeava, era agora impossível enxergar. A escuridão tomou conta de meus olhos; não ouço, não sinto, não observo – pronunciava um profeta de inclinações misteriosas. Uma íntegra fileira de cem postes foi assim, em ordem progressiva, mas atemporalmente determinada, se apagando. Era uma reverência respeitosa à passagem do manto, do sinal de concordância em prol da majestade que ele representava.

Ele assistiu a tudo isso, calado. Fez o sinal da cruz e se levantou. Na Rua dos Iluminados, onde a luz havia por setecentas vezes sido dinamitada, pôs-se a levitar desapercebidamente. Trajava um chapéu branco com enfeites dourados e um óculos escuro extravasando sua personalidade introspectiva. De deus dedos pontiagudos gotejava óleo viscoso e frio.

Não há tempo que não seja intransponível, não há lugar determinado para o possível. Não há cura para as dores não perdoadas, não há cura para as feridas ainda abertas. Os eventos progridem em alta rotação.



[Índice de Produção¹/ inserir] Café e tabaco lhe faziam a cabeça naquele momento. Nada mais existia, nada mais importava. Uma xícara de porcelana branca estava depositada sobre um pires azul. Em meio à fumaça, revelava-se o cinzeiro. Prateado e pesado. Nada mais importava. Fora a tarde que findava, nada mais existia.

[Índice de Produção²/ substituir] Sem sinais de água caindo, a imagem das diversas plantações, umas mais verdes e outras menos, era bastante límpida.

9 de maio de 2011

Accident comes, accident goes

E, com um piscar de olhos, o olho registrou o cabum. Página virada da história, essa que poderia ser tragédia ou uma comemoração intensa. Eu, que só senti minha cabeça girar, e tudo o mais se contorcia entre nós e o resto. De repente, tudo era resto de nós, a divisão acontecia.

Eles vão. Ignoram-nos solenemente, eles nos desejam seus risos e olhares de desdenho, sua reprovação. Nós aqui permanecemos. Braços cortados pelo singelo toque na manopla, pela pressão excessiva de um pé só. Ou somos vítimas da ação de vários pés em conjunto? É justo deixá-los direcionarem assim o nosso futuro?

Eu que pensei que a guerra cotidiana tivesse personagens mais terríveis. Somos todos protagonistas de um grande mosaico que não diferencia o politicamente correto do erro plástico. Em plástico nos envolvemos, metais retorcidos nos contornam. Somos todos peça da mesma inútil engenhoca agora.

Ouvimos zumbidos, ligações e celulares. Vozes vem, vozes vão. Com um piscar de olhos, menos ainda, talvez, os ouvidos registraram o som surdo, o impacto dos ossos, o fisgar da fibra que nos segurava. Para que? É a pressa cotidiana que nos promove dessa maneira? E de tanto querer chegar acabamos destinados a lugar nenhum. É um ensinamento oriental? Queríamos apenas a perfeição?

Ferragens vem, cacos de lanternas se vão. Lágrimas de poucos, converter-se-ão no pesar de muitos. Sangue derramado entre nossos brinquedos, inocentes brincadeira essa que nos pôs em movimento. Movimento demais. Movimento demais? Sirenes e luzes brilhantes em minha pupila dilatada, não sei se ainda enxergo. Ouço as vozes, a contestação, os “meus deuses”, mas não sei de onde vem. E de repente não sei mais onde fomos parar. Cruzamos algum portal?, por que todo esse desconforto?

O tato vai-se. Rompeu-se alguma fibra, por um mistério o impulso eletrônico foi impedido de percorrer o caminho que sempre fizera desde... Desde muito antes de eu tomar a consciência das mãos, dos pés. Perdi a consciência, essa? Ou perdemos as mãos, essas partezinhas a que quase nunca dedicávamos nossa atenção? De que me adiantaram os cremes rejuvenescedores agora, oh pai?


Acidentados chegam, acidentados se vão. Pelos olhos do outro somos apenas dados estatísticos agora. Finalizamos nossa função.