Sem inspiração,
acendeu um cigarro. Acendeu por gostar da fumaça, não por esperar
vir nela um pingo de ideia, um insight.
Percorreu lentamente as paredes do quarto. Mirou no velho cinto de
couro pendurado, que, dotado de fala fosse, diria Não aguento mais
ficar aqui, pendurado pelo pescoço a ver o que ocorre dentro deste
guarda-roupa, meses a fio. Tinha muitos cintos, ponderou, mas a
verdade é que pouco os usava depois que avivara a cintura com cinco
quilos a mais desde o início do ano. Deu pouca importância.
Havia
há pouco feito uma pequena mudança na geografia dos móveis,
precisava de uma mesa para sentar e por a cabeça a estudar um
conteúdo diverso, prova à vista que tinha, e o tempo não era lá
muito. Também, gostava de estudar assim, na pressão. Caso lesse com
muita antecedência, acabava o conteúdo por fugir daquela cabeça
que, já antes dos vinte e cinco, apresentava calvície mais ou menos
avançada. Uma música tocava, música que combinava com a fumaça
que passeava, livre, sobre o teclado.
Considerava
fugir daquilo o mais rápido, das pressões patriarcais, da cidade já
muito desbastada por ele, das mesmas faces e ruas. Pudesse ser vivida
a vida assim, a cada dois anos mudando de cidade e de pessoas, mas
sempre construindo amizades, deixando rastros que pudessem ser
seguidos e saudade no peito, dele e dos outros. Assim que devia ser.
Outras construções deviam vir, concomitantemente, pois ele se
sentia inútil ao pensar que seu ponto de vista, aliado aos estudos
que já fizera e à vontade de conhecer e fazer conhecer não
resultassem em nada que fosse proveitoso, principalmente aos outros,
portadores de menos oportunidades que ele no percurso já trilhado da
existência.
Ainda
sem inspiração, de cigarro já amassado no cinzeiro, resolveu que
amanhã começaria a colocar as apostilas de tal prova na cabeça,
custasse o que custasse. E deu-se por satisfeito por tudo que havia
feito até o dia presente. Aguardassem os outros, ele seria grande
ainda, mesmo que mantendo-se pequeno. E nesse embalo, adormeceu.
Um comentário:
Lindo, o final já vou colocar no meu face!
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