“Uma noite destas, não saberás
quando nem onde, a vida te pega.”
É aqui que eles falaram de desespero.
Mas não sabiam o que invocavam. É aqui que se cortaram línguas,
que se perderam almas, que deceparam mãos e pés. Neste vale de
sombras, os pecadores foram exterminados um a um. Eu não clamo por
misericórdia. A justiça para mim é um sonho inacabado.
Desejos grandes, braços compridos que
acabaram me envolvendo como uma camisa de força. Perdi os fios de
cabelo esperando pelo dia em que um sorriso verdadeiro brotaria no
lugar. Escavei, repus, abracei o problema. O tempo, esse castigo,
acaba se tornando assim, insuportavelmente lento, esticando para além
da conta do aceitável a existência medíocre.
Eu estou de mãos estendidas, estou com olhar vívido; viro-me para os lados, estou gritando por olhos que me
observem.
Quando as ruas de asfalto ainda me
traziam para uma casa, quando após o dia ingrato de despejo de
energias em atividades laborais, o mito eterno do trabalho, quando
tudo isso ainda me reconhecia como vivente de um cotidiano, eu
elevava a face com um pouco de dignidade. Mas tudo passa, e, quando
você apenas rasteja, o que um dia você ajudou a erguer agora apenas
te reconhecerá como sedimento, base esmagada para a elevação de
outrem.
Eu estou de punho cerrado, protejo
minha face dos tapas, estou gritando por ouvidos que queiram me
ouvir.
Quando havia ainda olhos eu enxergava
como a vida se trazia, como as pessoas se vestiam, como os valores
eram atribuídos, do modo que, ao contrário, jamais seriam
recíprocos. O anel com que o noivo presenteia jamais precisaria da mão
da dama para sua existência, é absoluto em si. E, enquanto se
passaram as décadas, passeando diariamente ou preso na caixinha de
veludo, ele presenciou as ridículas façanhas humanas, seu desespero
para conter as marcas do tempo, que outros, sábios, compreenderiam
como evolução, desenvolvimento. E quando ruiu o casamento, o mesmo
anel estava ali, afogado em risadas, igualmente absoluto, consciente
de que ele, sim, entraria eternidade adentro.
Os desejos ardentes me queimaram e
transformaram meus lábios em um rastro de ferimentos tristonhos. Os
braços longos que usei para abraçar meus ideais me envolveram como
a serpente, prendendo-me nesta imobilização, este casulo de mim
mesmo, amarrado. Neste vale de pecadores, a justiça é uma
misericórdia perecível.
Enquanto faço círculos na areia,
assisto o arraste da multidão, o furor por uma trivialidade efêmera.
Ergo minha face, procuro algum olhar perdido, disposto a compreender.
Sussurro, mas eles não ouvem. É aqui que eles falam de desespero. Mas não sabem o que invocam.
Um comentário:
Que delícia ler isso aqui.
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