O dragão se levanta, é
noite ainda. O dragão se alimenta, se espelha, alicia a si e aos que
o envolvem, o dragão se protege. O dragão se levanta, é noite
ainda, e com ele, ao seu bater de asas, apontará no
horizonte o primeiro levante da linha primária de raios de Sol a
iluminarem a Terra neste dia. Estrondoso.
O dragão se levanta, é
noite ainda, todos dormem. O orvalho amorteceu por quase doze horas
as folhagens, os corações, a promessa de paraíso. Todos estão
úmidos, mortalhas envoltas em trevas, húmus, folhagens, terra fria.
E eis que se levanta o dragão. Bradam e estremecem nos menores
refúgios de sombra todos os espíritos assombrados. Eis que se
levanta, ele.
(Os olhares
desencontrados, chorosos, e os homens que vagam olhando pelos
retrovisores da vida. O cigarro deixado aceso, a fumaça espessa
presa em olhos marejados, a viscosidade aveludada presa em membros
entumecidos. Tudo o que era pra estar e acontecer mas, por um minuto,
recuou-se. O dedo em riste, o trovão, a sentença, o brado, os
olhares fulminantes. Mas, reparando bem, estávamos todos parados,
congelados. Era a membrana, voluptuosa, singela, galante, do bem
estar. Era esta parede, este invólucro de bons costumes, esta
cadeira confortável que mantém-nos as pernas a balançar, envoltas
em tiras de cetim. Quando menos esperar, a vida, esta que deixamos
passar, pega-nos. E aí será tarde.)
O dragão se levanta, é
noite ainda. Ele respira, exala, observa, assustado, o próprio
acordar. Ele, que é o amanhecer e o florescer, e outros verbos,
ainda, encarnados em si, sem que o saiba. O dragão se levanta, é
noite ainda, e olha-se com olhares de quem se ama, mas é contido. De
quem se admira, mas é tímido. Para si é um mistério maior que a
vida, embora a vida seja, tanto quanto, tudo o que é contido em si.
Sem que, entretanto, saibamos. Sem que ele desconfie. E eis que, sob
o som dos aplausos de todos os seres, virando-se em toda sua
imensidão, levanta-se, ele.
O dragão se levanta, e
com ele acordam as esperanças e a ventania. Ele olha, penetrante. É
um mago metido em vestimentas de sacerdote. E, ao rufar dos tambores
mais distantes das entranhas do planeta, agita suas asas, e com este
alarme chegam os raios de sol, o canto dos pássaros e a brisa
matinal, que varre o mundo e tem o aroma do café. O dragão se
levanta e com ele a manhã, que é ele próprio. Estrondoso.
2 comentários:
Maravilhoso, vou ler para meus alunos amanhã de manhã, cedinho, quando o sol se levanta. E perguntar a eles: que acharam? Depois te conto o que eles disseram. Abraços,
Ah, Maria, que satisfação ver este comentário seu aqui! Como fico feliz em saber que este texto será mostrado numa sala de aula! Por favor, não deixe de me contar quaisquer comentários.
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