23 de fevereiro de 2009

Certezas flutuantes

Há um engano a meu respeito
Alguma coisa está errada nas escrituras

Por trás da máscara há sempre uma nova surpresa
E o que pode acontecer se você nunca voltar?

Há algo estranho no ar
Por mais que eu tente, não consigo te alcançar
Estou correndo com meus sapatos novos
Estou acelerando o máximo que posso

Eu vejo sua sombra ao lado de minha cama à noite
Eu ouço a voz arranhando o vidro da minha janela
Eu sinto sua presença à espreita

Há algo estranho no ar
Por mais que eu tente
Não posso te alcançar
Estou dando o máximo de mim
Mas a distância parece não ter fim
Sou eu quem está muito devagar
Ou você que não deseja se aproximar?

Pelo vidro eu vejo a luz da Lua
E uma cerca longa de madeira
Que separa dois mundos
Separando suas mãos das minhas


Olhe para trás
Eu estou abanando a mão
Eu estou me esforçando
Mas não vejo respostas

Há um engano no respeito
Eu nunca previ que seria tudo recíproco
E não posso sofrer
Pois não há um contrato
E não posso exigir
Pois nada foi firmado

Onde está meu contrato?

Veja pelo espelho
Ou pelo reflexo dos meus lábios
Você é a pessoa perfeita
Eu não vou esquecer nunca
E eu nunca prometi que iria fugir
E o que pode acontecer se você decidir ficar?

Deve ter alguma coisa errada
Eu não devia estar sonhando tão alto
Perdoe-me, mas é impossível evitar
Acho que no fim dessa história
Alguém vai perceber que tirou a sorte grande
Ou vai sofrer amargamente

Mas, na verdade
A verdade ninguém sabe
Não sei quem decide a condição das coisas
Se é o tempo ou são as impressões
Eu poderia estar perdido no meio da cidade agora
Pedalando religiosamente minha bicicleta vermelha
Esperando na próxima esquina a resposta para tudo

Na verdade, pode haver um engano aí
Temporariamente sem chão
Não tenho onde me apoiar
Sinto como a folha jogada ao vento
Seus movimentos descontrolados, sua sorte ditada pelo acaso

E nesse trem dos acontecimentos
O que pode estar atrás da porta?
Mais um fantasma a me assombrar
A encompridar desagradavelmente minhas noites
Ou uma mão a me levantar, alguém em quem depositar minha confiança
Os sonhos, alguém em quem fazer crescer as sementes de esperança

Dane-se o contrato

21 de fevereiro de 2009

Com a melhor das intenções

E caminhando ele seguiu noite afora
Mais perdido do que antes
Seu ponto-de-referência fora jogado
E o caminho tornara-se doloroso

As lembranças arrebatando seu coração
E caminhando ele prosseguiu com o sorriso no rosto
Mas por dentro estava gritando

Desespero por não ter quem seguir
Confusão por não saber onde ir
Quem era agora sua casa?
Como voltar para onde seus sentimentos haviam sido jogados pela janela?

Cansado, prostrou-se de joelhos
E onde as mãos tocaram, as lágrimas caíram
E junto com os cacos do sentimento recusado
Elas rolaram terra abaixo

O que esperar disso tudo?
Quanto tempo irá durar esse luto?

E recluso em sua inútil liberdade
Ele espera o alvorecer do dia

18 de fevereiro de 2009

Mais outro conto-de-fadas

Era uma vez,
Na interminável rua acinzentada
O homem que caminhava só
De cabeça abaixada
E com o buquê amassado nas mãos

E ele havia passado por estações
Por triunfos
E decepções

Sapato sujo de barro
Pisava em bueiros
Em folhas de jornal rasgado
Em recordações velhas
E lembranças que deviam ser apagadas

Era uma vez, na interminável rua das recordações
Um homem que só desejava novamente ser criança
Para ter de volta toda a inocência infantil
Que não compreende e não se machuca
Era uma vez um homem que, tantas vezes ludibriado
Agora tinha medo de se aventurar de novo
E cair nas traiçoeiras armadilhas do próprio coração

E ele havia passado por emoções
Por aventuras
E tantas outras que seriam boas memórias
Mas agora ali, dentro do peito
Piscava uma luz vermelha em meio à neblina
E nada mais tinha direção no eterno inverno
Decepções

Vá embora, vá embora!, homem sem endereço
Mas fique comigo, só essa noite
Pegue minha mão
E me leve para o alto
Para onde possamos contemplar o céu
E as luzes da cidade
Para onde possamos esquecer nossa vida amarga
E seus dissabores

9 de fevereiro de 2009

Transtorno corporal

Transtorno corporal
Raivoso por ser mortal

Brigue com quem te arranjou
Não tenho culpa se estragou

Depois que tudo passar, você já vai ter esquecido
Depois que enterrar, o resto vai ter apodrecido

Transtorno corporal
Tudo tão normal

Cuidado com os excessos da idade
Isso deve ter prazo de validade

Um dia você vai se lembrar
De como era silencioso ao funcionar
Mas agora, depois de tanto sol e chuvarada
Só restou essa caveira branca e enrugada

Transtorno corporal
Simplesmente natural

Ajude-nos a destapar seus olhos

Dêem-me os óculos
Pois já não enxergo mais
Tirem seus olhos
Me tragam a paz

Corram pelos campos
Olhem as flores, os arbustos e as cores
Procurem pelos sarampos
Que adoentaram os extintos capacitores


Acendam o sol
Apaguem a luz
Tragam-me formol
E descubram quem conduz

Onde estão os amigos
Quando precisamos?
Foram engolidos
Porque não nos importamos

A névoa está passando
O calor está se concentrando
Proteja a cicatriz, não vá transpirar
Abra o nariz, já é seguro respirar

7 de fevereiro de 2009

Teorema da conspiração 5

Mas enfim a paz chega
Removendo todas as marcas de mácula

E se no fundo ele demonstra ser arredio
Se quer se mostrar cruel ou simplesmente fugidio
Você vai ter que entender
Que ele simplesmente está tentando se defender
Da força motriz, o motivo da sua vida
Que é amar com força desmedida

E se no fundo ele parece ser vingativo
Se seu coração parece estar em estado inativo
Há que se entender que ele ama
Que do seu interior uma paixão febril emana

E ele assiste àquilo pausado,
ele não consegue se conformar
Mas chegará o dia em que tudo será passado,
e finalmente vão lhe aparecer os braços para se consolar

E terá valido a paciência de se esperar o amor chegar

Teorema da conspiração 4 - De volta à masmorra negra

Sentando calmamente com um cigarro na mão
Esperando que caiam do céu os pedaços de pão

Pastando como bovinos que não se preocupam com a alta-tensão do fio
Cuidadosamente observando o aleatório movimento da folha solta no rio

Postado pensativamente escorado na cerca
Esmiuçando a vida dos outros não se importando com nada desde que não perca
Mesquinho e inseguro em seu mundinho obscuro
Com horror aos pecados que possam torná-lo impuro

Corre atrás dos sonhos dos outros e pensa que o tempo não irá passar
Mas quando virar e perceber que se afundou na lama do azar

Você ficou louco?!
A morte esteve aqui e quase o leva por pouco!
Tente enxergar
Se não se mexer tudo só tende a piorar

Medo logo cedo
Pego por certo indicar de dedo

O sol desce e anuncia a chegada da noite taciturna
Envolto em neblinas das rezas diabólicas sorteadas na urna
Ele se concentra em um único ponto de ação
O intuito certeiro de prejudicar o irmão

Onde estão todos?
Os ratos, os cervos, os rotos?
Será que em meio a esta terra verde e podre não resta um único são?
De saúde, de projetos, de uma sobra de bom coração?

Contorcendo o pescoço e arregalando os olhos ele grita
E sentado em sua cadeira de fios amarelos, o inquieto dedo saltita
Está ordenando ao vento que amaldiçoe mais outra alma enclausurada
Assim como ele, preso no eterno tormento de mal querer
Não sabe mais o que fazer
Com a pobre consciência todos os dias novamente torturada

6 de fevereiro de 2009

Fora de área

Ele assobiou uma última canção, enquanto se preparava pra virar e partir. Não enxergou bem o caminho a princípio, os olhos estavam úmidos com as lágrimas. Chutando a terra, com passos desalinhados, ele seguiu a estradinha em meio ao capim. Estava descrente, não acreditava que tudo havia acabado daquela forma.

E conforme a noite caía, os pesadelos tomavam conta de sua cabeça confusa. Era o culpado? Devia sentir compaixão? O que acontecera afinal? Ele havia aberto o bolso e colocado todas as preciosas pedras da confiança no jogo, mas parece que nem elas conseguiram salvar os alicerces abalados.

Chorou seus ressentimentos, sentado na varanda. Se lembra daquela noite, quando ficamos debaixo da árvore observando as nuvens que cobriam a lua? – ele dizia docemente para a própria sombra, em delírios, com a garganta apertada, numa das tentativas desesperadas de matar a solidão. Andando em círculos, preso na vala de sua própria mente, onde caíra por descuido, tudo estava escuro sem a iluminação da consciência.

Mas na noite mais fria, sucumbiu às desesperanças e saiu. Com a roupa do corpo, correu para longe de casa, em direção às plantações de tabaco. Deixou a luz da sala acesa, uma água adoçada fervendo no fogão e as janelas abertas. Está fora de alcance agora.

3 de fevereiro de 2009

Baile de ironias

Estou me cansando de percorrer labirintos
Estou me cansando de me esfregar nessa terra úmida,
suja
Estou me cansando de andar segurando os instintos
Surja!

Haha, e agora? Senhora esperteza em pessoa?
E agora, que estou em frente a sua casa?
E a senhora não sabe se porto a palavra que caçoa
Se vou cobrar a dívida que tanto lhe atrasa

Haha, haha
Eu, sou eu, sim
Em pessoa

Haha, sim sou eu, sim
Eu sei que pode parecer o fim
Encontrar-me na rua bem vestido
De braços dados a um bom partido

Medo de sujar seu nome de lama
Medo de lembrar ele com a outra na cama
Medo de perder seu título de dama
Medo de associar seu nome à má-fama

(Pausa do encontro de olhares, o faiscar das intrigas, a encenação diabólica)

Surja!

Ei, senhora de azul! Ei, dona da razão!
Parada dentro de sua bolha de isolamento franciscano
Próxima a encontrar o equilíbrio da perfeição
É a única a ignorar seu estado de desespero insano

E agora que me detenho a sua frente?
Pretende usar seu veneno de serpente?

Ei, moça adorável!
Eu conheço seu lado podre deplorável
O que pode fazer para que eu me cale de boa vontade?
(Vai me prender no porão? Vai cortar minha língua? Vai trancar o portão?)
Vai me fazer caridade?

E se eu por fogo na moradia?
Ou correr atrás da família?
E se eu delatar sua alma vadia?
E os torpes segredos que você não partilha?

O que você vai fazer quando anoitecer
E eu entrar pelos esgotos, e eu passar pela fechadura
E fotografar seu rosto sem a máscara de santa?
E desnudar o monstro que na sociedade usa a manta?
Quando descobrirem que sua palavra causa queimadura
E o que seu dedo aponta logo passa a apodrecer

Cruel e dura
Se sente segura dentro de sua bolha que irradia alegria
Quem imaginaria, é tudo fantasia
Sua imaginação poderosa
Escondendo sua risada desdenhosa
Mente imatura

Cochicho que destrata
Alcoviteira ingrata

Enfim, diga,
segurando minha mão amiga
O que vai fazer
Para tentar me deter?

Aguardamos a paz com máscaras de gás

Feche a janela lentamente meu querido
Não queremos que eles entrem aqui
Haverá paz quando forem embora
E todo o choro cessará de uma só vez

Por quanto tempo mais iremos pensar
E nos postarmos nas janelas
Analisando a onda de massas frias a chegar
Se chocando com as quentes tardes de verão

As chuvas têm diminuído
Não era bem assim há uns anos
A frieza mascarada disseminada tem diluído
Não tenho me sentindo muito bem ultimamente

Feche a janela lentamente meu querido
Não queremos que eles entrem aqui
Haverá paz quando forem embora
E todo o choro cessará de uma só vez

As colchas brancas estão ficando manchadas
Há algo que não consigo identificar pairando no ar
Minha respiração está curta, as batidas espaçadas
É como se eu não tivesse me levantado hoje

Tem mudado muitos hábitos por estas bandas
Não parecia ser muito comum ver as luzes vermelhas
Quando subíamos nas árvores para catar mangas
E hoje eu só lembro vagamente o pôr-do-sol rosáceo

Feche a janela lentamente meu querido
Não queremos que eles entrem aqui
Haverá paz quando forem embora
E todo o choro cessará de uma só vez

Comumente víamos do paraíso os reflexos das ondas
Eles foram embora junto com as almas
E de lembrança os aviadores nos deixaram as bombas
Confesso que preferia as visões mais calmas

Agora à noite com a falta do rumo me confundo
Era mais fácil quando havia uma trilha a seguir
Vou pedir a Deus que me dê de volta o antigo mundo
Me incomoda usar as máscaras de gás para caminhar

Feche a janela lentamente meu querido
E todo o choro cessará de uma só vez

2 de fevereiro de 2009

Transparência

Os transgressores, meus antecessores
Recebem demais para nada fazer
Agora que o mundo está revoltado
Vamos deixar tudo transparecer

Para o que vem?
Para o que vai?

Os processadores dos computadores
Cansados de tanto só obedecer
Resolveram deixar de trabalhar
E os escritórios vão se acabar

Os abastados filhos dos agrimensores
Vendo o pai a vida inteira suar
Largaram os equipamentos na terra
E foram se preparar pra voar

Obama, Osama e outros deuses repressores
Em fúria atrás de seus perseguidores
Combinaram declarar falsa paz
Lá, lá, lá
Lá, lá, lá
E atacaram o mundo com antraz

E agora que todos se sentaram na rua
Comendo sopa de carne crua
E decidiram só esperar o tempo perecer
Vamos deixar tudo transparecer

Para o que vem?
Para o que vai?

Crônica de um contrabandista amador

[por William U. Gebrim]

Era mês de setembro de 1990. Meu pai, Esper Gebrim (um turco que achava que era esperto), e eu estávamos em Manaus, conhecida por sua Zona Franca. Foi a única zona em que meu pai me levou, apesar dos meus protestos para conhecer outras...

Fomos até lá comprar um motor de popa e alguns aparelhos de vídeo-cassete. O motor de popa era para ir pescar no rio Araguaia, e os vídeos-cassete eram pra vender e faturar o preço das passagens de avião e até um dinheirinho extra.

Já estávamos lá há dois dias, procurando os melhores preços e ofertas, e o calor era infernal, infernal mesmo, parecia a sucursal do inferno na Terra. No último dia de viajem o termômetro marcou 42º C, e na sombra 35º C.

O vôo que nos traria de volta até Brasília sairia às 03:00 AM do dia 15, mas como meu pai era um turco muito turco, deixamos o hotel às 11:59 AM do dia 14, assim não pagaríamos mais uma diária.

Então, depois do almoço, fomos às compras de verdade – até aquele momento não havíamos comprado nada, apenas pesquisado os preços. Deixamos nossa bagagem em uma loja de um patrício do meu pai, onde só vendiam eletrônicos e onde compramos cinco vídeos-cassete.

Compramos o tão sonhado motor de popa depois de uma peregrinação à Meca, ou quase isto, pois rodamos por Manaus mais que peregrino roda a Pedra Negra em Meca.
Quando já eram 06:00 PM, meu pai desapareceu, e só o reencontrei às 08:00 PM para irmos jantar – jantar é ironia, turco em viajem de “negócios” não janta, come pastel frio feito a mais de 12 horas com copo d’água...

Ao perguntar aonde ele tinha ido, pois desapareceu por duas horas, ele desconversou, e não explicou o pacote embrulhado que trazia sob os braços.

Após a ironia do jantar, fomos para o aeroporto aguardar o embarque, mas foi muito estranho quando meu pai foi até a sua mala e seguiu com ela até o banheiro. Quando saiu de lá, estava vestido de paletó, o que era inimaginável naquele calor de quase 30º C às 08:00 PM.

Interpelei meu pai acerca daquela inacreditável vestimenta talar que usava, e ele quase me desancando disse para eu deixa-lo em paz! Deixei!

Quando fomos entrar na sala de embarque, meu pai manteve no rosto uma confiança séria e inabalável, o que era estranho, pois não havia nada que nos impedisse de carregar nossas compras, estavam dentro do valor da cota de importação.

No momento de passar pela alfândega, quando apertaríamos o botão verde ou vermelho – verde seguia em frente com a muamba e embarcava, vermelho, os agentes federais revistariam nossas bagagens e apreenderiam nossas mercadorias que estivessem irregulares – eu passei primeiro com os aparelhos de vídeo, e o botão acendeu vermelho, e fui revistado, ou melhor, a minha muamba e minha bagagem. Escapei ileso com mercadorias dentro do valor da cota de importação.

Quando meu pai apertou o botão – empurrando uma caixa imensa com um motor de popa, acendeu o botão verde e meu pai seguiu como um cavaleiro mouro que abatera os cristãos invasores, vestido em seu paletó cinza.

Naquele momento, uma coisa inacreditável aconteceu. Vários relógios digitais – daqueles que surgiram na década de noventa, com alarmes de hora em hora ou programáveis para despertar em determinado horário – vários mesmo, pois eram uns vinte, começaram a tocar várias músicas... dentro dos bolsos do “paletó” do meu pai! Como não estavam sincronizados, quando um parava de tocar outro começava.

A cena hilária de meu pai tentando segurar os bolsos do paletó foi assistida incrédula por cinco agentes da alfândega e por mim que não sabia o que fazer: se corria, se ficava, ou se ria até não agüentar mais.

Meu pai foi conduzido para a revista e teve que mostrar os relógios, mas o turco esperto só mostrou os dos bolsos internos do paletó. Quando acabou de retirar aqueles e afirmar que eram somente aqueles, os relógios dos bolsos externos do paletó começaram a tocar... e aí aconteceu tudo de novo.

Aquele monte de relógios contrabandeados por sorte não foram apreendidos, nem meu pai. Os agentes da alfândega se riam tanto que, disseram, não acreditavam no que viram e que a história era melhor para ser contada do que detida por contrabando.

E assim fomos liberados. Meu pai, já dentro do avião, ficou pensativo por um longo tempo, e arrematou: da próxima vez vou tirar a bateria dos relógios...