"Eu, quando dei o tiro,
não me lembrei de mais nada."
Eu. Pessoa nascida em
um mundo de chão, terra, sangue e unhas enegrecidas de
carvão. Eu, carne e fé, pessoa de verdade, com méritos no peito.
Mas, quando apertei o gatilho – ingenuamente chamado por mim de
botão -, destitui-me de todos esses predicados ou denominações.
Porque eu preferi assim.
A mim foi negada a
verdade sobre o caso, e também sobre seus desdobramentos. Muito
embora me envolvessem em totalidade. Eles não sabem que eu sei. Eles
provavelmente jamais saberão. Eu sei, eu sei.
Perdoe-me, eu fui um
tolo. E para pagar minha culpa carreguei, nas costas, o peso que é reservado a todos que agem como eu. Somos tolos. Por nossa
ingenuidade (repito a palavra, coisa que não gosto de fazer, mas não
há outra), por nossa excelência em honestidade e devoção, somos
tolos. A nós, nesse mundo de valores, foram destinados os castigos
de levar sobre a cabeça o peso das ações dos demais em que estes
atributos não figuram.
A mim, e a muitos
outros que estão por aí, muito será tirado durante uma vida toda.
Por saber respeitar a vontade do outro, por temer não preencher as
expectativas de todos, por querer evitar sermos considerados desleais
ou indesejáveis, somos tolos. Caem sobre nosso céu – que,
particularmente, é muito mais azul que os demais – as trovoadas de
lixos e desleixos dos outros que, não tolos, orbitam na esplêndida
cobertura. Não é para nós tal maravilha.
Eles não sabem que
sabemos. Nem todos sabemos, em verdade, mas à grande maioria, a quem foi
destinado poder experimentar de toda sua tolice, nada pode ficar por
muito tempo escurecido. Iremos descobrir e perceber como agem e como
pensam de nós. Pobres são eles, pensando que, tolos, não
conseguimos enxergar nada. A beleza da tolice é que, liberta, nos
permite examinar todos os reflexos. Nada pode ficar despercebido.
Mas o mundo não
pertence aos tolos, naturalmente. Não mais, talvez não mais há
muitos e muitos tempos. Assim, deve ter sido a nós destinado um
outro lugar, e de preferência que seja agraciado pelo cintilar do
experimentalismo. Os não tolos, pelo que sei, imaginam saber de tais
lugares, imaginam ter atingido o pico. Ora, que “tolos”, não? A
serenidade de espírito – chave deste paraíso – não repousa em
suas cabeças. Pobres.
Mas o mundo, este, não
pertence aos tolos. A mim foi negada a verdade, a nós foi reservado
um encargo injusto. Porque somos tolos. Por isso, despi-me de todos
os predicados, reservei-os em um banco maciço e empoeirado. A partir
daqui, regozijei-me, não serei mais conhecido por denominações ou
posses. Essa dor, este peso cairá; não me lembrarei mais de nada.
Eles provavelmente jamais entenderão. Foi quando apertei o botão.
2 comentários:
Que fino este texto, Tiago!
Que aborrecimento foi esse?
A felicidade está atrás de cada lágrima chorada (em emoção) em um passado não muito distante!
Certa vez peguei um amigo meu, fumando e chorando em seu quintal sentado. Certa vez esse meu amigo estava triste se imaginando ser um forever alone. O que ele não sabia, era que em seu pequenos gestos, ele nao precisaria chorar mais, e nunca estaria sozinho. Certa vez,eu perdi o meu amigo e com essa perca descobri o seu valor, assim são as lágrimas da felicidade.
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