Toca o despertador,
sobe pelas minhas janelas um inconfundível cheiro de diesel
queimado. É uma combinação quase tão obrigatória quanto meus
cafés da manhã regados a cafeína e nicotina. Sem eles, eles todos,
eu não sobreviveria uma semana. Os caminhões despertam cedo, mais
que eu, e iniciam sua caminhada diária; percursos, muitos, que
incluem a minha basculante de vidro rachado, que com seu tremor
também me arrasta, é dia, já.
É mais um dia na minha
agenda, é data nova inaugurada no calendário da padaria pendurado
num prego que se intromete entre dois azulejos na cozinha. Arrasto as
chinelas, depois piso mais firmemente, depois já estou de porta de
geladeira aberta, escolhendo várias coisas para acabar com poucas na
mão. O relógio é meu ditador, e rezo todas as noites para que não
o seja por toda a minha vida. O relógio é meu tutor e rege-me com
tamanha disciplina que, quase sempre, penso se tal é necessária de
fato. Entre ponteiros, primeiro de segundos, inofensivos ao primeiro beijo, mas
depois de minutos, que avançam impiedosos, tenho de ferver a água e
vertê-la sobre o pó, fazer rápido o café para poder ter ao menos
alguns minutos devotos sobre minha mesa.
(Tudo
é perigoso, tudo é divino, maravilhoso, diz Gal, e prossegue, Não temos tempo de temer a morte. A acepção desta falta agora é outra. Não temos também mais
ideais improfanáveis e motivações viscerais para não o termos.
Agora, tudo é bastante trivial. E lembro-me de Renato: Todos
os dias, antes de dormir, lembro e esqueço como foi o dia. Sempre em
frente, não temos tempo a perder... Nosso suor sagrado é bem mais
belo que esse sangue amargo. E tão sério e selvagem!)
Sentado
estou na minha cadeira, acompanhando meus pensamentos com uma profunda
tragada nestes cigarros de palha que têm sido tão bons
companheiros, e o outro olho na implacável soma dos minutos que me
apontam os ponteiros ali na parede. Café desce rápido pela
garganta, entra fumaça, entra café, sai fumaça. E nesse meio estou já com um
pé do tênis calçado, amarrando o cinto, faltam cinco.
Inaugurado
o dia e também suas felicidades, delicadas pois que se desfariam sob uma análise mais aprofundada. Inaugurada mais uma manhã,
mais um amanhã, mais um capítulo desta busca, eterna enquanto
consciente for. A promessa de alegria, por enquanto, é a chegada da
noite, e seu acúmulo, a do fim de semana. Mais
instigante que compreender-se satisfeito por tão pouco é pensar que neste regime vivem imensos contingentes de
seres humanos, amaciados por entretenimentos perigosamente
alienantes. Mas não vou falar de alienação, este é um assunto
desinteressante, este é um papo chato. Quero saber da festa, da
noite, da roupa, das parcelas do cartão, do limite aumentado, do
consumo esperado, do novo ismartifone, da nova coleção, dos cavalos
do motor do carro do ano.
Toca o despertador, tremendo já estão as peças de vidro da basculante pelos pneus prensados por toneladas, toneladas de rotinas e chateações, de preocupações e prazos. Todas transmitidas maquinalmente a mim, de um jeito ou de outro. Acordo, inebriado pela noite não mal, mas pouco dormida. O café e as outras fumaçam me fazem animar, embora pouco. Segue-se a segunda-feira, sob a imposição moralista dos ponteiros marrons, que correm ao bel prazer da pilha tamanho médio. Em minhas divagações de mesa coberta por toalha e farelos, a vaziez de uma sucessão de dias iguais, com atividades iguais e pouca ou nenhuma contribuição, nestas, para alguma mudança, ou quebra. Levanta-te, homem!, penso comigo. Faltam cinco!
Toca o despertador, tremendo já estão as peças de vidro da basculante pelos pneus prensados por toneladas, toneladas de rotinas e chateações, de preocupações e prazos. Todas transmitidas maquinalmente a mim, de um jeito ou de outro. Acordo, inebriado pela noite não mal, mas pouco dormida. O café e as outras fumaçam me fazem animar, embora pouco. Segue-se a segunda-feira, sob a imposição moralista dos ponteiros marrons, que correm ao bel prazer da pilha tamanho médio. Em minhas divagações de mesa coberta por toalha e farelos, a vaziez de uma sucessão de dias iguais, com atividades iguais e pouca ou nenhuma contribuição, nestas, para alguma mudança, ou quebra. Levanta-te, homem!, penso comigo. Faltam cinco!
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