“Ele
calçou as botas de couro, viu pela janela o sol que se levantava,
abriu e fechou a porta atrás de si. Partiu.”
Há
um momento de vida, mas é singelo.
Há
um momento de pensamento, mas é controverso.
Há
um momento de levantar as mãos para o céu, mas é comedido.
Há
um momento de olhar para trás, mas é medroso.
Há
um momento de olhar para o que se foi, mas provoca choro.
Há
um momento de se equilibrar no meio-fio, mas é lúdico.
Há
um momento de fé, mas é abstrato.
Passo
sobre passo atrás de passo, ritmo e velocidade, compasso, flashes
mentais, cenas interrompidas, sons aleatórios, passo sobre formiga
atrás passo, uma folha seca, crec!, passo, cadarços bem amarrados.
Há
um momento de sorrisos, mas é barato.
Há
um momento de promessa, mas é desconfiado.
Há
um momento de diversão, mas é um só momento perdido em uma escura
galáxia de outras horas.
Há
um momento de contestação, mas
passa pois um somente não empurra o mundo.
Há
um momento de conformismo, mas é ilusão pura.
Há
um momento de vida, mas é disfarce.
Há
um momento de dança, mas embaralhamos os pés.
Há
um momento de beijos ardentes, mas era fogo na palha e consumiu-se.
Às
vezes ele para num banco de praça, observa os pombos e a fonte. Mas
o encanto só durará até o primeiro mendigo pedir-lhe um cigarro.
Como fugir? Do que fugir?
Há
um momento de egoísmo, mas é fatal ao espírito se se mantivesse.
Há
um momento de braços abertos ao vento, mas é sucedido
pelo cansaço.
Há
um momento de sonhos realizados, mas é efêmero.
Há
um momento de gargalhadas,
mas é vazio como o plástico.
Há
um momento de sonho, mas é sintético.
Há
um momento de fuga, mas traz efeitos colaterais.
Há
um momento de sobriedade, mas é insuportável.
Há
um momento de vida, mas é esperança tão somente.
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