14 de janeiro de 2009

κήρυγμα (Kerygma)

I) Introdução

There is no great expression in this worn-out eyes.

II) Desapego
Correr, fugir, escapar.

Escapade now!

Ouvimos o sinal, distante, fatigante e tal…

Once more: escapede now! There is no other out!
Caminhar, rastejar, pular.

Deixará o dinheiro para o faxineiro, a cartola e a bola para os netos da senhora e o pão... será escondido no colchão.

Escapade! Caminhar, fugir, pular.

Prosseguir e não terminar.


III) Aluno errante
No horizonte, vejo o sol nascer, belo. Então, sou dominado por uma vontade, uma inquietude magnífica, de sair. Começo a percorrer o caminho que primeiro alcança meus pés, e o movimento de andar se torna involuntário.

Perguntar, sem ter quem responder.

Olhar, sem poder chamar alguém pra ver.

Pensar, ou pensar que pensa. Além.

Sentir, e não ter palavras para descrever.

Prender, mas não ter como trancar. Deixar escapar, sem ter como impedir.

Deixar-se dominar, sem querer ter forças para resistir. Esse é o caminho.

Falar e não parar, mesmo sem alguém para escutar.

Falar, falar até o outro os ouvidos tapar. Assim deve ser o caminho.

Saber, mas não ter alguém para ensinar.

Contar, sabendo que não se chegará ao fim.

Tomar, beber. Até o cálice esvaziar.

Gritar, saltar. Chutar, empoeirar.

Sentar-se no chão, cruzar as pernas e fazer círculos com a mão.

Chamar a atenção, mesmo sabendo que não te perceberão.


IV) Praça deserta
Ele caminhou até a praça deserta. Folhas secas cobriam o chão. Velhas árvores faziam uma leve sombra sobre o local. E havia um chafariz. Como ele amava brincar no chafariz.
De repente, um barco. De folhas velhas, não secas. Não mais secas. Folhas de jornal. E soprava com animação a distração, que já não era invenção.
Próximo ao chafariz, um banco de madeira velha, e que nem por isso deixara de se nobre, convidava-o a se sentar. Um breve diálogo, e o sábio centenário assento o convencera. Largou o barco. Deitado desconfortavelmente, dormiu.
Onde estava Anilor, a prima de infância, a prima de praça, de inquestionável decência? E reviveu momentos quase mortos pela memória. E o chafariz teve água de novo.
Acordou. O sol desapareceu, anoiteceu. O passeio havia acabado. Anoiteceu. Se ainda estivesse viva, Anilor já teria ido pra casa. Se ainda estivesse viva, sua mãe já teria acendido a brasa. Anoiteceu. E na escuridão do caminho, ele se perdeu.


V) Teorema da conspiração 2
[Parte 1]

Cavar, cavar, cavar.
Num profundo buraco vou me enterrar. Custarão a achar.
E quando for o dia, embarcarei na minha grande navegação de papelão.


[Parte 2]

Não, não, não. Agora é hora de ver com mais luz. De pensar como se produz, de trair quem te seduz.
Algo espera por mim, não sei se é ruim. Meus olhos arregalados, meus pêlos arrepiados. Algo vela por mim, será meu pai?, será minha alma, acorrentada pelos meus pecados ilegalmente defenestrados?


[Parte 3]

É uma noite tempestuosa, estou com medo. Tremo de medo, incontrolável sentimento que expulsa lágrimas de desespero de meus olhos cansados, arregalados. Estou escorado na parede úmida, na penumbra de minha masmorra mental.
Ali, atrás do aparador de meu falecido genitor, eu sinto. Não há mais pensamento, não há mais batimento. Vejo, reconheço. De trás do aparador, são os dedos do mal. E apontam para mim, e me chamam, e sussurram. “Estive esse tempo todo esperando por você, vem correr comigo no quintal.” Meu Deus, meu Deus, reconheço essa voz! É Anilor anunciando meu final.


Um comentário:

Mairex disse...

Gosto dos teus textos por dois motivos, Tiago: 1) por que tento imaginar no que o autor pensava enquanto o escrevia 2) por que tento ver o quanto o texto fala POR mim.
Saudades.