29 de janeiro de 2009

Viagem de Vinte-nove de Janeiro 2

Continuamos viajando

Continuamos marchando, andando
Percorrendo, pedalando, caminhando
Prosseguindo, subindo, dirigindo
Andando a passos curtos ou largos
Rápidos ou devagar

Continuamos viajando


Em um ano as coisas mudaram
E eu nunca mais ouvi Atom Heart Mother na área da fazenda
São de pequenas anotações que vamos fazendo as construções
Pequenas partes de memória juntas que se tornam poderosas
Rememorar, viajar, sem, entretanto, sentir saudades dolorosas
Um simples fechar de olhos, simples exercício de esquecimento
Do momento presente, dos problemas existentes
Navegar pelos rios obscuros das lembranças
Que nunca são fielmente retratações do vivido
São barcas inundadas pela imaginação

Em um ano as coisas mudaram
E o som da gaita se calou
Mas não ficamos no silêncio
Trocamos o disco, mantendo, claro, os que merecem ainda serem escutados a salvo na estante

Choveu mais
Mas não é só por isso que continuo usando o guarda-chuva
As boas lembranças não serão nunca motivos de rancor
E eu não serei mais hipócrita de negar os méritos a quem os merece

Mas o ano passou rápido

As certezas mudaram
Obviamente mostrando, primeiramente, que não eram certezas
O ritmo foi alterado, o que eu pensei ser casa
Não era casa
Era um santuário onde pude contemplar meu crescimento
Era o filosófico refúgio
E me refugiou bem enquanto eu precisei
Santo estabelecimento

Em um ano
Mudaram-se os valores
Mas continuo insistindo que há
Um original imutável
A honestidade, a preocupação
A alegria, a eterna motivação
Então há um original imutável
Que resistirá a todas as intemperanças
O resto
Caiu por terra
Mudaram-se os valores
Os rumos foram trocados
Pareceu, por um tempo, que haviam posto um capitão louco no timão
Depois percebi que louco era eu insistindo na rota de colisão

Então primeiro
Descobrimos que a ética usada não era verdadeiramente funcional
Que o controle era exercido por uma linha de falsa moral
E vimos que tudo era muito bonito, tudo era muito bom
Enquanto os interesses fossem atendidos, enquanto as falhas não fossem questionadas
Enganamo-nos
E foi preciso sangue-frio, e foi preciso usar de ousadia e coragem
Para nos libertarmos das correntes que nos limitavam a visão
Tão ardilosas, que nos propunham uma autolimitação
De pensamento, da capacidade de conspiração
Assustamo-los
Quando tomamos o controle, quando pusemos à prova
E deixamos nuas as imperfeições

E continuamos viajando

Em um ano só os verdadeiros permaneceram
E os vínculos existentes com estes
Cresceram e se fortaleceram
E adicionamos
Em um ano o número de novos verdadeiros multiplicou-se

Os objetivos traçados
Não podiam mais ser usados
Estavam avariados

Em um ano
Aprendemos que não era muito saudável
Que não era muito aproveitável
Gastar o tempo do presente com preocupações para o futuro
Ainda mais quando no fundo sabemos que esse futuro é ausente
Você pode manipular, retardar, e, junto com tudo isso, fantasiar
Mas certos caminhos não serão mudados
E certas verdades, ‘inda que sejam cruéis, não perderão a essência

Os problemas existem
Os problemas, muitas vezes, persistem
Mas passeiam soltas pelos dedos
Suas resoluções
Modo que, de certo, a real dificuldade seja correr atrás da solução
E encaixá-la nos antígenos, nos falsos problemas reais

Em um ano
Percebemos a importância do dinheiro
E pela primeira vez perdi o sono com dívidas
Pequenas, mas ainda sim incomodativas

Passamos a dirigir carros
E as bicicletas ficaram de lado
Passamos a bater carros
E percebe-se que são mais caros
E que junto a essa mudança de condução
Junto a essa notável evolução
Na verdade vieram inclusas responsabilidades
E um mundo de possibilidades
Espera-se que você esteja adulto para usá-las
Supõe-se que você esteja adulto para suportá-las

Em um ano
As mudanças trouxeram novas preocupações à vida
Aliás, justamente o que deixa a vida divertida
O motivo real de ela valer a pena ser vivida
Aí as canções apaixonadas passam a ter sentido
Sentimos emoções novas e fortes
E aprendemos a bolar estratégias complexas
As dores do amor se mostram violentas
E capazes de fazer a razão se recolher em uma singela casinha
Frente à mansão que dedicamos ao coração

Passei a fumar mais
E a gostar mais de fumar
A procura de um estilo próprio
E a preocupação com o Eu aumenta
A vaidade floresce
A pessoa emagrece
Mas o original imutável...
O original imutável permanece

E continuamos viajando

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