28 de fevereiro de 2012

Xícara solitária no meio do terreiro

"Aquele que me vê nem de longe imagina. Debaixo da face serena, um turbilhão de emoções gritam e se desesperam."


Xícara solitária, por que estais assim, tão calada? Não enxerga, daí, meu pranto que escorre acalorando a face desolada?

Xícara solitária, antes transbordante e passante [de mãos quentes a bocas conversantes], por que estais aí, tão reticente?

Xícara solitária, tão calada e absorta, a quem eu não ousaria incomodar senão por esse simples desejo de levar alguma palavra de consolo, não vê que abano as mãos a sua frente?

Xícara solitária, de cor esverdeada e aparência delicada, por que assim, deixada? Por que assim, esquecida?

Xícara solitária que não dialoga, embora esteja eu aqui em sua frente a clamar atenção ou prestes a fazer uma prece, a pedir-lhe proteção. Por que assim, tão desiludida?

Em um pouco de mim há você, embora eu não saiba se também a mim você deseja. Assim, dessa forma, fico aqui, a pairar sobre a caixa d'água, a te olhar no terreiro, a te querer tão bem. Dessa forma, assim, fico a contemplar, ainda que minha imagem não se reflita em suas pupilas envidraçadas.

Por que assim, tão destituída de esperança?



25 de fevereiro de 2012

Vizinhos

Dançam.

Pedem por uma caixa cheia de tomates, vermelhos como sangue derramado após a menstruação de todos os meses. Mastigam, embora a massa cozida excessivamente não exigisse muito que fosse feito tal movimento. Enrolam lenços no pescoço, toalhas de papel usadas para secar o óleo da face, da batata, das mãos de graxa do uniforme cinza.

A oportunidade passou por aqui, bateu, esperou e foi embora. Ela diz isso todos os dias mas sabe que, no fundo, há vida pululando a cada minuto, enquanto o pulso da música ritma os passos, a dança. Dança que ela faz sobre a cadeira ou sentada naquele cavalo selvagem. Enquanto lava louças do almoço, enquanto seca no sopro a ardência de um cotidiano. Às vezes falta, às vezes têm-se o que basta. Porquanto haja amor, você sabe, isso é o suficiente.