22 de março de 2011

Nós e Eles II

“Agora posso ver. A fina linha que os segura na segurança que tem de si está amarrada em vigas comprometidas.”


Tomamos todos juntos os ônibus da cidade. Muitos de nós caíram durante a revolução. Um, dois, estávamos todos preparados para a guerra. Mas e se nos descobrirem? Como poderemos nós esconder nossas boas intenções? Como poderemos escapar do fuzilamento moral a que nos pretendem?

Minhas mãos não estão sujas de sangue. Essa é uma guerra limpa, essa é uma guerra santa. Não carrego os livros, não carrego velas, nem jarros, nem pães. Escapam de nossas delineadas bocas apenas as cortantes palavras, e daí disseminamos a discórdia. Discórdia? Mas não eram deles as falsidades proferidas quando se tangia Respeito e Consideração? Mas não foram eles quem nos atearam fogo pela primeira vez?

O porquê inicial perde sua valência. Somos todos naturalmente unidos por um objetivo. Nossa existência deverá ser preservada, nossos dotes, conservados. Oh não!, mas e se agora pudermos ver? E se enxergarmos como eles esquematizaram toda uma História para tentar nos destituir? E se embalados nos nossos sonhos despertasse uma força nunca antes vista e acabássemos por irmos todos para um só rumo?

Antes de todo o plano, um sentimento em comum. A vontade de fazer valer nossa evolução, repreendida pelos falsos doutores, pelos falsos profetas. Ah, já aconteceu. Uma vez abertos os olhos não se pode mais voltar ao estágio de escuridão. Nós sabemos, agora. Nossos passos são sincronizados como nossos olhares matadores. Não, não somos mais aquelas princesas fragilizadas.

Oh não!, mas e se agora nós tomarmos o seu poder? Como se defenderão aqueles que colaboraram com o extermínio de nossos antecedentes? Aqueles espancadores de esquina, aqueles juízes corrompidos pelas tais normas neo pentecostais? Sagraremos o pescoço de cada um que não esteja sistematicamente equiparado a nossa distinta linha de perfeição.

Você pensa que conhece o tamanho de nossos exércitos? Oh não!, mas e se agora você se depara errado? Estamos em cada terreiro, em cada construção, na liderança de suas empresas de serviços essenciais. Estamos na impressa, nos colégios, nos seminários. Estamos nos guarda-roupas. Estamos um degrau acima de sua sociedade desgastada e descrente das mentirosas normas impostas.

Não temos medo do fogo do inferno. Não sofremos com piadas discriminatórias. Seus valores hostis nos tornaram mais fortes que suas loiras crianças. Nossa ética não é abalável, nossos propósitos não são negociáveis. Oh não!, mas e se nós lhe revelássemos que já não há mais retorno?

Pegamos você.


21 de março de 2011

Nós e Eles I

Por agora muito pouco posso falar. Mas falo por mim, falo pela boca de muitos. Muitos são os calados no meio da noite, muitos são os quietos dentro dos guarda-roupas. De longe eu observo essas nossas crianças se esquecendo, elas estão negando sua existência. Seus corpos estão caídos em entorpecentes baratos, mentes brilhantes estão se apagando por nossa falta de zelo.

Mas você precisa saber. Há muita vida do lado de cá. Há pessoas felizes fazendo o que eu faço. Há esperança para todos esses desolados. O dia não acabou quando seus olhos se abriram. Você é mais capaz do que para o que foi preparado.

Em salas fechadas estão eles, com suas lunetas luminosas a verem o que se passa. O mundo parece demasiado hostil, esse proposito da vida, desconcertado. Há muitas perguntas de porque, mas as respostas andam vagas perdidas na boca de poucos.

O consolo não virá, não virá em hora alguma. As lágrimas derramadas já foram muitas, mas o chão não se secará sozinho. Ainda serão muitos a baterem a cabeça na parede, ainda serão muitos a agarrar os lençóis pela madrugada a fim de aplacar o desespero. A solidão não irá embora por si.

Eu preciso dizer. Há muita alegria do lado de cá. Há pessoas felizes fazendo o que eu falo. Há deuses olhando por nós. Há amizades mais verdadeiras ao nosso redor. Você ainda não compreendeu a uma grandeza a que foi destinado.

Em algum ponto da sua vida, alguma coisa parecia estar errada. Os fatos não se estabeleciam como deveriam ser. A dúvida entrou por debaixo de sua porta mais de uma vez nesse período de incerteza. Você teve medo de magoar sua mãe. Em algum momento você desejou não prosseguir.

Você não entendeu o chamado? Dê a mão a sua verdadeira vida. Ninguém está sozinho do lado de cá.


16 de março de 2011

A sincronia das intenções

Você lê a minha mente?


I

Viro. Viro e olho novamente. Meus olhos não já possuem os mesmos fachos. Eles iluminam outras direções. Disfarçando, encubro-os. Por dentro explode toda a satisfação. Por dentro. (Um novo mundo está se formando. Dimensão: desconhecida.)

- Carregue consigo o prazer de cada instante deste momento. Cada detalhe pintado em puro ouro deste céu, estas nuvens douradas em movimento. 
- Fantástico, fantástico. Ainda estará assim amanhã?

Eu. Deitado em uma maca fria, meus sentidos (parecem) desligados. Você me estuda, você observa e anota. Cada sonho é representado, cada detalhe aparente não escapa ao desejo consistente. A sonoridade, a musicalidade mágica se mantém.

Você percebe minha oração inconsequente?

Estamos a alta velocidade no meio do cerrado. O chão duro toca nossa coluna, os estalos do carro baqueiam o espírito, os olhos de todos estão sincronicamente fechados. A dimensão não é mensurada. A mão se estende, cega, ávida por um encontro. É quente a experiência? O caminho é percorrido com cautela, o tempo se alheia ao percurso dos ponteiros. A aposta é feita com expectativa acumulada. Mas se, ao final do movimento, o toque não se concretizar, terá sido em vão todo o desprendimento. Jogados ao ar bons bocados da autoestima tão cara, tão rara. A mão se contorce, no retorno frio, na fuga para si. Não há mais os bons fluidos da surpresa. Alguém ficou completamente só nesse jogo.

Todas as cores foram mortas. Ainda que sejam abertos os olhos, apenas o negro da noite profunda passeará pelas córneas.



II

Você pensa me conhecer. Minha anatomia simplificada te seduz. Seguro está, seguro você prossegue. É fácil, não há reentrâncias secretas. Compacto e em medidas cabíveis, posso te acompanhar em todos os lugares. Minha estatura jovem, meus cabelos curtos. Os olhos castanhos não chamarão tanta atenção.

Quem é ali na janela do ônibus? Onde está minha mão segurando a sua? De surpresa, eu não estou mais aqui. E ali, a distância, quem paira sobre sua sombra? Um leve aceno faz brilhar seus olhos cabisbaixos. As orelhas em pé, atentas por perceber algum sinal.

Eu estou no porta-retratos, eu mando-lhe beijos por debaixo do vidro. Mas, não, é apenas uma impressão no papel. No seu cinzeiro, eu grito por seu nome. Estou debaixo da escada, brincando com seus sentimentos? Há um vulto claramente com pernas cruzadas sobre seu gramado, e já passa da meia-noite. Onde foram parar nossos encontros apaixonados?

Viro. Viro e olho novamente. Estou deixando tudo para trás, os panos estão espalhados pelo asfalto. Talvez não seja exatamente eu quem está queimando nossos planos de felicidade. Talvez haja um reflexo distante, uma figura indistinta, o filho dos nossos medos, a criatura a que nossas mútuas incompreensões deu vida. Veja, está ele ali, no espelho velho da sala! Cubra-o, ponha-lhe os lençóis. Talvez não sejam as batalhas que me fizeram partir. Não partiu você já primeiro, levando embora algumas palavras de desculpa que deveriam ter sido distribuídas? Talvez, sejamos apenas crianças imaturas, brincando de viver.

Por ora, todas as cores foram mortas.