14 de agosto de 2010

Não ouço, não percebo, não sinto

Não há nada no mundo que não me faça lembrar a perdição. Imagens vazias, espaços com vazios mal alocados.

Oh, por favor, minha gente
Olhem para um céu mais cinza
Estamos sobre suas cabeças
Estamos rezando por vocês

Nas mesas de madeira há cortes abertos no verniz, a coisa está se desmanchando
(Ninguém percebe)
Nos escritórios dos arranha-céus pessoas que se deslocam sistematicamente, mas elas não sabem aonde estão indo (aonde estão chegando?)

(Ninguém se preocupa)

Correntes, pesadas correntes
Prendendo minhas mãos a esse modo de viver, a esse modo de dizer
Eu gostaria de falar o que realmente penso
Mas os ouvidos dessensibilizados não conseguem ouvir
Ouvem o chamado
Ouvem a ordem
Ouvem o que é certo ou errado fazer
Mas meus rabiscos de felicitações no caderninho da cozinha passam em silêncio

Oh, por favor, minha gente
Olhem para um concreto mais escuro
Estamos sobre nossas cabeças
Segurando um pêndulo extraordinariamente pesaroso

Mas com suas ht-rotinas atando-os a esse círculo vicioso
Ninguém se libera
Ninguém nos ama
Ninguém se importa
Ninguém vê
Ninguém ouve
E nos dissipamos no cotidiano
Fazendo história com horários agendados e compromissos fixados e inadiáveis

Imagens vazias, não porque o são devidamente. Imagens vazias pois seus significados perderam a batalha em meio à plasticidade das eras...

A agulha do bom senso

i. agulhadas

Perfurando meus intestinos, e as vísceras mortais mais profundas,
Agarra-me pela garganta, suga-me o ar e me puxa para baixo
Noites imundas

A verdade está além do que pode ser observado
Mas machucamo-nos uns aos outros sem nos dar conta
Uma a uma as lanças são lançadas, e ainda estamos olhando para o outro lado
Procurando um sinal de bênção no céus

A Terra abaixo de nós se dissolve, o dia ilumina nossa face cansada
Linhas e marcas de expressão de tempo desperdiçado
Os olhos fundos de lágrimas, a mancha negra percorre o rosto
Desfigurados estamos, preparando-nos para o fim terrível

Oh bom senso que me foge, deixa-me regado de gozo, de prazeres findáveis
Minha imagem se desfaz perante os demais, minha alma se macula
Maculados também os sentimentos dos demais à minha volta, usados como marionetes
Mas não sou eu, oh, não sou eu o maldoso ventríloquo [será a situação? será a (im)possibilidade de ação?]


ii. sentimentos retraídos, contraídos

Como todos os outros dias, caiu a noite
Passos distantes, motores invocados por divindades, as máquinas já não são as mesmas
Cavalgando em galopes díspares, uns mais adiantados, outros mais benevolentes (?)
É a hora do ajuste, é a hora

Como se tudo tivesse se tornado normal
Trocamos beijos e parceiros por outros beijos de parceiros dos primeiros
Na vil imoralidade da carne
Sentimentos traiçoeiros se desesperam, traídos, re e contraídos

No epicentro dessa grande evolução, essa revolução esbranquiçada e pegajosa
O problema está além do que se obtém ao fim do convencional
Porque nada mais aqui é natural
Bandejas repletas de peças plásticas (vamos atender ao desejo de todos!)

Os preços não se sustentam, o valor abaixa, abaixa também um milheiro de cuecas
Vermelhas, brancas, amarelas
Jogadas ao chão sistematicamente

É a festa da quantidade
Quanto mais for absorvido mais chances temos de sair nos tablóides de amanhã
A sucção ilimitada não pode ser contida, não deve ser parada
Peças humanas, envernizadas e retocadas, jogadas ao chão
Usadas, muito provavelmente não terão mais outra serventia (é essa cultura de novidades)

Mas amanhã, no outro dia
Os restos mortais estarão bem visíveis
Para quem quiser ignorar a festa da hipocrisia, a queda dos valores
O império irá se desmoronar




iii. acerto de contas

Quando baixou o terceiro cetro
E o ordenado se cumpriu
Milhares de almas queimadas vivas
As etiquetas apagadas - perderam seu valor

Permitiram-se demais, a individualidade se perdeu
Não se trata de promiscuidade, é a simples equação da quantidade
Ataques por minuto, beijos por piscar de olhos
Uma mão aqui dentro, a outra lá fora
E fez se a alegria, por ora

Mas a lança certeira os cortará
Decepando-lhes as cabeças, troféus desmerecedores do título
E os olhos se abrirão novamente
Cessará a plasticidade
As ranhuras das mãos voltarão a serem percebidas
Os contornos dos olhos reluzirão, como os sorrisos
Um detalhe, uma pinta, um formato de unha, uma cicatriz de cotovelo

Iluminadas as casas, as épocas e os caminhos
Voltaremos a integrarnos num grande coletivo,
Sem que haja a perda da nobreza de nosso caráter

Amém.

7 de agosto de 2010

Inveja & Desejo

Parte I

"Doctor, doctor
What is wrong with me?
This supermarket life is getting long"


Parte II (Ainda mais distante)

Eu estou preso em uma jaula escura, e as cortinas não se ajustam ao meu querer de abri-las.

Por dentro, o imenso vago. Vago como ruas largas, em que os automóveis já não passam mais. Essa cidade abandonada. Usei de toda a minha engenharia para fazer-me melhor, pra fazer-te melhor comigo. A construção desmoronou.

O quarto escuro, de cortinas empoeiradas que já não podem ser abertas. Os ferrolhos da porta estão enferrujados, as persianas estão desintegradas. Presas por fios de teias apenas.

Tecidas as mãos, como num cobertor sufocante, eu estou/sou um casulo de proporções desajustas. Meus ouvidos escutam os clamores, meus olhos vêem, lacrimejando, chorando. Eu não sou mais o objeto do desejo.


Parte III (Desejoinveja)

Risos e faces bonitinhas, caminhamos de mãos dadas entre os outros. Trocamos carinhos, apertos e beijinhos. Falsa felicidade, vida de plástico. Sua maquiagem começou a borrar. É tarde, querida, é tarde.

Risco a pedra, faz-se o fogo, Abençoe-nos, Deus! Meu cigarro está aceso novamente. Com a outra mão, entrelaço seu lado. Discretamente, beliscamo-nos, destruímo-nos, e ninguém está percebendo esse jogo de farpas maldito.

A queda é inevitável, estamos presos pela nossa (má) vontade, pendurados pelo lado de fora da janela. É questão de tempo. Você me empurrou, eu permiti. Eu não te segurei, você não se importou. Pouco a pouco nos colocamos um ao outro nesse abismo.

Pedras de Coca-Cola em meu copo de naftalina, quis me envenenar como à sua própria vida de desgostos. Sangra-me as gengivas, parece que estou perecendo? Longe do resto, seguros (?) em nossa morada interior, a guerra se inicia.

Não nos resta mais coração, não nos resta mais paixão. De seu corpo, apenas o desejo sistemático, transformado em inveja, em raiva. Sugo-te todos os fluidos, estou me tornando mais forte. Seco, e vejo-te seco, aqui à minha frente. Estás enrugado. O que já foi minha outra metade, minha terra-firme? Estou sentado confortavelmente assistindo ao seu desespero.

Empurro-te da janela. Eu não sou mais o objeto do desejo. A queda é inevitável.

A construção desmoronou.




[Parte I - trecho de AMUSED TO DEATH, Roger Waters, 1992]

Eu acho que só vim pra dizer um Adeus

Porque, agora, eu estou sendo jogado na lata de lixo. Mas ainda há uma espiral que me liga a você? Por que não a corta? Por que mantém esse jogo maldoso?


Era uma atração simples e real
Eram amores todos os dias
E não faltava carinho, e não nos deixávamos perecer
(Agora eu escrevo na chuva)

O momento escorria lentamente; gotas esbranquiçadas de luxúria e amor, mandávamos um ao outro
Havia cumplicidade, havia paciência, compreensão
Havia boa vontade

Agora eu desejo, eu ainda quero
Mas uma parede de gelo se formou sobre você
E eu me transformei em um amorzinho repulsivo
Por mais que tente, eu não atinjo mais o seu coração

Há um ponto delicado, em que você perdeu o que sentia por mim
E agora, esses formulários
Fumaça extinta, respirada novamente
Eu me descontrolo, eu tento, eu choro
Mas eu me tornei uma presença não presente
Invisível e decadente

Ainda há luz nos meus olhos, ainda há esperança em minhas mãos
E eu circundo você, eu estou balançando os braços
Essa é minha deixa, não poderei ficar para sempre
Eu continuo à sua espera

Antes tão conectados, e agora somos estranhos dormindo na mesma cama...

Eu estou na janela
Observando-te com um cigarro discreto entre os dedos
Estou anotando como gosto de suas expressões,
Estou registrando como o desejo a cada detalhe


O tempo passa, e essa frieza chegará a mim
Eu estou enviando os sinais,
E é preciso que você abra os olhos antes que seja tarde demais


4 de agosto de 2010

And although, you're the only home I know...



Emerging from my world
Imagine living in a box
And I won't come out
Until I've broken all the locks

Slurring all my words
Until something sticks
But in this smoky universe
My mind keeps playing tricks

And although
You're the only home I know
As if by Magic
Thoughts of you are gone
And now I'm keeping my head in the clouds
And it's not so tragic
If I don't look down

Submerging from your world
And back into my bliss
A day rolled into one
Is burning on my lips
Blurring all your words
Until they don't exist
And in a parallel universe
It's me you can't resist

And although
You're the only home I'll ever know
As if by Magic
Thoughts of you are gone
And now I'm keeping my head in the clouds
And it's not so tragic
If I don't look down


[As if by magic. La Roux. La Roux album, 2009]


O fim de todas as coisas

Triste despejar de sentimentos ao ar. É como acontece quando conhecemos uma pessoa nova, e há um desvínculo de outra antiga? Eu estou partindo pra um novo céu? Haverá muito mais além, além dos muros que meus pés alcançam?

É como uma nova estoriazinha para dormir. Tudo está bonitinho, tudo é encantador. Mas eu estou começando a sentir o peso da sua mão sobre meus ombros. Eu tento suavizar, eu tento compreender, mas não, mas não. Eu penso que é como um trilho colocado sobre minha sombra, e ela o percorre sem que eu escolha ou permita. E eu continuo dançando no escuro, solitário.

Pelas manhãs, o sol acinzentado invade a janela, e quando eu a abro, o dia está lindo. Uma rajada de vento invade meu espírito, e eu saúdo a todos. Mas não posso falar, mas não posso sorrir. Fechado e debruçado sobre meus tênis, enquanto amarro os cadarços, esse não sou eu. Não, esse é alguém modelado para satisfazer seus desejos mais secretos e profanos. Quando eu fecho os olhos para uma nova boa vibração, quando eu escondo meus valores, quando eu ponho os ouvidos no descanso. Esse não sou eu.

Um espaço infinito invade, meus reais sentimentos evadem. Onde estará minha devoção? Porque o terreno começa a erosar? Um beijo seco estala meus desejos até a completa finitude, e eu prefiro o beijo sensual dos meus ex-cigarros. Meus olhos estão coloridos. O azul permeia as pálpebras, e, por enquanto, esse não sou eu. Meus desejos estão gritando, eu estou preso e encantoado. As palavras são bonitas, mas as ações não mais as acompanham.

A rosa colorida era vermelha, era viva, mas agora eu vejo um funeral acima de tudo isso. E suas pétalas estão caindo lentamente. Minha liberdade está sufocada. Meus dedos não podem mais tocar o que antes tocavam, e eu não alcanço mais essa piscina em que me purificava. Estará secando? Eu continuo, continuo no escuro. Dançando sem saber.

O futuro parecia muito promissor, mas os planos estão sendo cortados com uma tesoura de picotar. E os cortes são bonitos, e as margens são encantadoras. Paninhos de prato feitos com os metros de tecidos dos nossos planos. Há vida além disso, e eu sobreviverei.

Mas, por agora, eu continuo dançando no escuro.


2 de agosto de 2010

Pleasure at Hell

"Porque hoje de manhã eu acordei com a toalha na cabeça e a pimenta na boca."


E eu não quero mais saber das suas desculpas. Qualquer coisa dita aleatoriamente poderá ser usada contra sua vontade. A minha vontade prevalece. A minha culpa, eu a retiro lenta e dolorosamente. Fácil dizer, fácil usar. Usar sem prazer, como a gente acontece ultimamente.

A última gota de suor praguejou contra mim. O cigarro foi apagado e o cinzeiro está cheio. Como o pulmão. Como as redomas que envolvem nossos desejos. Presos, já não falam mais por si. Eu me rodeio de pessoas ingratas. Por essas companhias, minha testa arde. Arde junto tudo o que eu poderia desejar.

Caímos em prantos todos juntos. Abraçados e ajoelhados, todos juntos. Estamos perecendo o castigo de um demônio heterossexual. As labaredas de fogo nos pegam aos poucos. Meus dentes rangem enquanto minha outra boca goza um prazer desigual. É como se fosse só eu. Só eu.

Enquanto permanecem fechados, os olhos afogam a mente com intenções cruelíssimas. É como se o amargo de toda uma vida girasse em torno de minha língua. Mas não sou só eu a apodrecer. Labaredas de fogo queimam nossos cabelos alisados, meu osso se mostra, corajoso. Vai ser pouco o que sobrar.

1 de agosto de 2010

Uma prece à vida-amor

I - Fragmentos recolhidos

Depois de um certo tempo, as pólvoras umedecidas ainda estão a ponto de bala. Molhadas estão as pestanas, após tanto tempo adormecidas.

Uma a uma, enfileiradas e disciplinadas, as ordens de sucessivas sinapses estão aguardando no formulário, que ainda terá de ser revisado. Sou o mesmo de antigamente? Talvez me falte óleo nas juntas, um pouco mais de clareza. Quero um banho.

Estou cansado, cansado e com mal estar de estar não lá muito perfumado. Deve ser esse calor, deve ser essa falta de pudor. Talvez, vá, talvez. Estou com vontade de por um cigarro entres os dedos, porque é que eu fui inventar essa de não fumar mais? Ah, a pele. Os cabelos, o perfume. O bolso, meu Deus, o bolso! O bolso agradece. Talvez até mais que os pulmões.

Voltemos toda a atenção para o café. Até escolhi duas imagens interessantes pra inscrever aqui.

O banco da praça está aguardando por uma nádega que o esquente, numa noite fria e pouco convidativa a suspiros de amor. A filha mal criada não pensa nos pais quando está nos braços do homem que a despejará no outro dia. Ele não sabe nem mesmo seu nome. É, é a primeira estrela que vejo na noite. Meu pedido já foi efetuado.

Enquanto isso, Sheriff fareja formigas no quintal. Ele não sabe rezar, mas ainda sim Deus atende às suas preces. E lágrimas já não mais saem de seus olhos tristonhos e rastejantes.







II - Uma prece à vida-amor

Eu preciso de um pouco mais desse seu elixir. Eu preciso me sentir mais vivo, Vivo! Como se me escorresse pela pele afora, como se me banhasse em um lazer sagrado. E profano.

É a cada movimento, mais e mais, sentir o que você sente. A cada gesto, um olhar mais profundo, que me afunda. Que penetra na alma com o vigor de um suspiro. De uma lança perfurante, é o sangue do lado, é o olhar fulminante.

Misteriosamente, a cada minuto torna-te mais forte, e esse toque marca como se de fogo, como se de fogo queima internamente os tecidos, acende uma explosão contida, os pelos estão eriçados. Há uma fricção em tudo isso, há uma sentimentalização do antes puramente mecânico. Mentira, contudo, porque mecânico somente nunca o fora.

Eu preciso sentir esse elixir. De onde vem a fonte da vida, de onde jorra a bebida sagrada, o símbolo do pacto, a materialização de um desejo expresso entre olhares e toques, entre beijos e mordidas. É um jogo sujo, é uma perseguição perversa. Mas eu sou bom, e minhas intenções são puras.

E antes que se possa dizer a palavra, estará tudo (des)colocado em seus devidos lugares, antes que se possa raciocinar o que é indescritível terá sido proclamado, e minhas mãos e bocas poderão provar, por indícios irrefutáveis, que a juventude percorre, ao menos até amanhã e depois do depois do amanhã, e ainda mais um pouco talvez, as minhas veias vívidas de sangue.

Amém.