há papéis espalhados, desordenados, como as ideias. povoa o ambiente a nuvem espessa e aromática das xícaras de café derramadas e sorvidas pela alma. no canto da sala eu me escondo em meio à fumaça. há muito o que fazer, há muito o que ler. há muito o que pensar.
31 de dezembro de 2008
One missed call
Ei, menino do sorriso no rosto. Seu chão caiu.
Ele levantou assim, ainda não resignado. Sentou-se na mesa da cozinha, só. Trêmulo, mas sem entender muito bem porque, derramou lágrimas enquanto punha café na xícara simples. Amargo ele, mais que o café, não teve fome para nada além dos cigarros. Aquela infantil vontade de jogar tudo pro alto, levantar a bandeira branca e dizer Eu desisto!
Ei, menino do sorriso no rosto. Momentaneamente, você não é nada mais que uma ligação perdida. Um elo rompido. Pare de sorrir.
22 de dezembro de 2008
Rotina cíclica
19 de dezembro de 2008
Distant lover
À minha frente apenas a garrafa de café
Que me mantém acordado
Mantém meus olhos vidrados
Rugas apareceram nos meus olhos
Preocupações me tiraram o sono
Mantive meus olhos vidrados
Fixo, o coração já não sente
Imobilizada, a mente não mais pensa
Precisava me despir da melancolia
Precisava rezar para Deus me ajudar
Olhar ao meu redor sem me desesperar
Já passou tanto tempo sem você
Que não sei mais como era sua presença
Um rastro de lágrimas manchou o chão
Onde um dia você passou
As palmas das mãos ficaram secas
E estilhaçadas as janelas da alma
Mantenho-me com os olhos vidrados
Noite
Pingos de chuva molham minha janela
À minha frente, a garrafa de café
O sofá de couro vazio
E eu me entretendo com o reflexo
Precisava rezar para Deus
Precisava de você pra abraçar
Sentir seu coração pulsar
Precisava de alguém pra conversar
O tempo passou
E preso em minha fantasia
De que um dia você voltaria
Meus ossos pereceram
Como eu queria que visse agora
Meus olhos fundos
Dia após dia
Noite após noite
Eu esperei
Eu imaginei
Eu nunca estive aqui antes
Andando nesse vale de lembranças
Colhendo folhas secas
Folhas negras
Pisando as cinzas dos nossos próprios cigarros
Com a janela aberta
Sentindo os pingos caírem gelados na minha face cansada
Eu tenho os olhos fechados
E me mantenho lúcido
À espera que essa noite acabe
E que semear esperanças não tenha sido um ato vão
16 de dezembro de 2008
Tempo da solidão
E, no tempo de um trago
Passaram por mim
Suas lembranças
Não tem ajudado muito
Tentar me concentrar em tantas
Tantas outras coisas
Eu quero você aqui
Na solidão da noite
Senti falta de suas mensagens
Quando me acordava pra dizer
Que estava com saudades
Na fria escuridão
Chorei por não saber onde te encontrar
Em aflição
Temi não haver mais um laço
Apertei o play
E, no tempo de uma música
Quis desesperadamente
Alcançar seu corpo no ar
Te abraçar com todas as minhas forças
Sentir o calor dos seus beijos
E te ouvir falar que eu te transmitia paz
E agora?
Minha cama está vazia
Em vão minhas mãos procuram as suas
Em vão as lágrimas molham o travesseiro
Em vão passo as noites acordadas
A espera de uma ligação
Abraçado aos joelhos, no canto do sofá
Eu quero você aqui
12 de dezembro de 2008
Planos de Janeiro
Vamos viajar
28 de novembro de 2008
What God Wants, Pt. 2
O que Deus quer, Deus consegue, ele ajuda a todos nós
O que Deus quer, Deus consegue
Deus quer dólares
Deus quer centavos
Deus quer libras esterlinas, xelins, e pence
Deus quer florim
Deus quer francos suissos
Deus quer francos franceses
(Sim, ele quer francos franceses)
Deus quer Escudos
Não mande lira
Deus não quer trocados
Deus quer cidades pequenas
Deus quer dor
Deus quer pôr ordem nas campanhas de rock
Deus quer janelas
Deus quer soluções
Deus quer doações
O que Deus quer, Deus consegue, ele ajuda a todos nós
O que Deus quer, Deus consegue
O que Deus quer, Deus consegue, ele ajuda a todos nós
O que Deus quer, Deus consegue
Deus quer prata
Deus quer ouro
Deus quer que seu segredo nunca seja revelado
Deus quer gigolôs
Deus quer girafas
Deus quer uma boa risada
O que Deus quer, Deus consegue, ele ajuda a todos nós
O que Deus quer, Deus consegue
Deus quer amizade
Deus quer fama
Deus quer crédito
Deus quer culpa
Deus quer a pobreza
Deus quer a riqueza
Deus quer se proteger
O que Deus quer, Deus consegue, ele ajuda a todos nós
O que Deus quer, Deus consegue (...)
[ROGER WATERS, 1992]
19 de novembro de 2008
Inacreditável experiência de paz
Você pode matar, pode roubar e até comer...
Para atingir seus objetivos.
Os medos vão sair dos seus sonhos. Você vai acordar ensopado em meio a madrugada, solitário em seu quarto. E vai segurar firme a sua carteira e procurar proteção. Não era o dinheiro a solução?
Você perde suas noites na Internet, atrás de casos fáceis e diversão passageira. Mas não sabe o que te espera do outro lado do portão. Quando o telefone toca, corre e atende, sem sequer disfarçar sua carência e o vazio que preenche seu coração.
Mal amado.
Te enganam. O banco te liga, você é um cliente importante. O chefe da Igreja gosta de você. O governo criou programas para atender a suas necessidades. Te enganam. Sua existência não passa de um número. Um zero a mais para o banco, uns números a mais para a caixa do dízimo. Um voto.
E você se refugia. Não quer acreditar. E se revolta.
Você pode matar, pode roubar, pode até torturar.
Para conseguir seus objetivos.
Carros são necessários. Você precisa ter amigos. Psicólogos são necessários. Você precisa se alienar. Família é necessária. Você precisa ter preocupações. Cartões de créditos são necessários. Você precisa se exibir.
Para conseguir seus objetivos, você precisará mentir.
Você vai aprender que não há limites para sua estupidez. E que é mesquinho e insensato. Que não pode confiar em sua sombra. Que vai sempre se deixar levar por paixões imbecis e se afogar no profundo lago da humilhação.
Vai enganar a si mesmo com objetivos fúteis e inúteis, que inventou para se satisfazer.
Vai inventar que existe satisfação. E que tem coração.
18 de novembro de 2008
Amargo vazio
A passagem natural dos anos.
Mudanças vêm, pessoas vão. Eu esperava ter você aqui do meu lado agora.
Mas vejo que, enfim, nada adiantou segurar os impulsos e mudar o leme.
E eu sinto muito por todo o desgosto,
E eu sinto muito por toda decepção,
É como tinha que ser
No asfalto quente, o carro prossegue. Passa por mim, mas não existo mais pra você. Sou um vulto apagado.
E eu esperava estar viajando junto,
E eu esperava estar conversando junto,
E eu esperava...
O som dos teclados de Wright me leva pra longe, pra perto de onde eu não queria estar. Será que para sempre vou sofrer esse amargo da indiferença? Será que para sempre vai pesar essa lembrança?
Não é como eu queria ser lembrado,
É diferente do que eu havia sonhado,
Ficar isolado e desprezado...
E no fim, quando tudo se consumir, quando os dois sóis se puserem no horizonte, não vou ter a minha recompensa. Mas sua vida vazia, vai se lembrar que tudo o que fez não tem propósito agora, quando somos um só conjunto de poeira radioativa.
E eu sinto muito por todo o desgosto,
E eu sinto muito por toda decepção,
Eu não desejei ouvir esse Não,
E nunca mais ver seu rosto,
É como as coisas são...
16 de novembro de 2008
Devaneios noturnos
- Silêncio! Ou quer que nos ouça...
- Ta, ta bom... mas ela continua lá no corredor... muito próxima de nós...
Há uma luz acima dela. E sua cabeça brilha como um globo de luz...
- Vamos ter de chamar o Senhor Encanador...
- Enquanto ela continuar no corredor?
- É tarde demais pra pensar em morte numa hora dessas... temos que ser práticos!
- Vou correr, vou saltar a janela e chamar socorro...
- Pode ir, mas esteja consciente.
- Do que?
Há uma luz sobre ela. E ela faz seu vestido cintilar como a aurora-boreal.
- Vou abrir a janela...
4 de novembro de 2008
O jogo do amor
Cada vez gostamos mais
É um novo amor
É baseado no valor
Jogue com o que arrecadar
Ninguém está ligando pro pudor
Desde que você possa pagar
Eu vou te desejar
Não vou me acanhar
Posso comprar
Cada vez pagamos mais
Cada vez nos gostamos mais
Afinal
É quase irreal
Parece muito natural
Se eu oferecer
Eles vão gostar
Nem precisam saber
Que tenho dívidas a quitar
Hoje a noite vamos sair
Quero me divertir
Pra casa vou levar
Quem eu puder comprar
Não há nada igual
É tudo muito liberal
Cada vez pagamos mais
Mas cada vez gostamos mais
É você que eu vou levar
E se tenho dinheiro para adquirir
Quem vai me inquirir
Se há uma ética a usar?
É muito mais que sexual
Ultrapassa os limites do racional
E não é preciso ser leal
Não vou contar que estourei o cheque-especial
28 de outubro de 2008
Sem rimas feitas, linhas perfeitas
Hoje está tudo diferente
Era tudo igual
25 de outubro de 2008
Ajax
Ainda existem vestígios de realidade
circulando você
marchando em volta, em volta
Para assombrar suas noites,
os lampejos no céu, as idéias
desconexas
desmerecedoras de crédito
Será tudo ilusão?
Olhe e diga o que vê.
Tudo aqui é sua fantasia
Você pode ser o que quiser, vai voar
Vá voar por entre as nuves
Coruja negra como a noite
Vá naufragar na escuridão da madrugada
Você não está sozinho
Mas segue solitário
Nada do que você pode tocar
Nada do que você vê
E do que você sente
É real
Um calafrio sobe pela sua espinha
Conforme uma outra mão desce
E você aperta, puxa pra perto de você
Puxa pra você
Está tomado pelo arrepio, tesão que te descontrola
O toque erótico, os desejos que circundam
Sua mente carente
Mas isso também
era apenas fantasia
Da sua masmorra preto e branco, de onde você
pensa que enxerga colorido
Não há saída, não há escapatória
Mas eu sei
Que sorrateiramente,
todas as noites
Você sonha
E deixa a fantasia
Foge para o real
E voa através da janela.
23 de outubro de 2008
Saga do homem de virtude
Lançada a sorte, ele joga ao léu sua capa de cautela, ele se despe da certeza das projeções, mergulha o ego num gélido banho, evita que irrompam os limites espirituais as demonstrações de insegurança que o assolam.
Sábio, ele silencia todas as perturbações ao seu derredor, ele ordena que se aquietem as fanfarras conspiratórias da razão.
"Lançada a sorte, a razão perde o porte"
Lançada a sorte, é como a pedra arremessada de um salto inconsciente: restará aguardar os efeitos do ato inconseqüente.
Na platéia ele aguarda, excitado, sem a movimentação de um músculo. Torce, sofre e, ora sim ora não, vibra, sorrindo para sua consciência, refletindo se valerá o momento que a coragem lhe concedeu.
21 de outubro de 2008
As aventuras de Yoko (parte 3)
Assuntos amorosos realmente não eram o forte de Yoko. Ela lembrou-se vagamente de seu ex-affair, que conhecera em um dos seus últimos cruzeiros internacionais, este feito pelas ilhas gregas em específico, durante as férias de Julho. Naquela época, Yoko havia decidido viajar de última hora, deixando pra trás, sem pestanejar, sua badalada clínica de estética (que tinha clientes com horários marcados até o fim do ano), seus peelings de cristal, drenagens linfáticas, massagens indianas e tudo o que era necessário para a manutenção de uma diva.
O motivo da viagem repentina era que as duas últimas semanas que ela havia passado não eram nem de longe dignas de uma pseudo-celebridade como ela: Yoko ficara sem sentido para viver após a morte de Brigite Bardot, sua Yorkshire Terrier de estimação com quem viveu boa parte de sua vida (relativamente recente) de socialite empresária. A cachorrinha era mais que um animalzinho de estimação, era praticamente uma amiga, era capaz de entender a dona com um olhar. Ademais, Brigite tinha um gosto finérrimo: Yoko nunca se esqueceu de quando sua cachorrinha latira para sua primeira bolsa própria pra cães Louis Vuitton – “foi uma cena digna de cinema” – recordava ela. Foi no momento de maior desespero, com o recém-falecimento de B. Bardot, que a idéia do cruzeiro surgiu.
Ela se preparou minuciosamente e embarcou em Santos, rumo às ilhas gregas. Yoko não tinha, realmente, o que reclamar quanto às instalações: seu quarto tinha vista para um mar azul como nunca pudera imaginar. Após uma semana de viagem o navio aportou na badalada ilha de Mykonos, onde ela conheceu Argus, um belo barman que fazia jus à sua nacionalidade, já que era praticamente um deus grego. Com ele Yoko viveu um amor quase impossível, mas ela precisava voltar à realidade.
Retornou ao Brasil noiva, contudo com o coração despedaçado já que se conhecia muito bem e sabia que era preciso muito mais do que um peitoral definido, abdômen trincado, olhos verdes e um sotaque grego para roubar seu coração bandido. Não conseguia entender como sua memória muitas vezes a lembrava das coisas erradas nos lugares mais inapropriados... era incrível! Mas os pensamentos foram embora de um salto quando a esfoliação acabou e a porta da sala de Henrique Hernandez se abriu...
[Continua...]
13 de outubro de 2008
Decandência
Arrombar as janelas e entrar
Tudo que ele pagou com seu trabalho árduo
Nós vamos pegar
Pichar o muro branco da casa amarela
Quem se importa se ela gastou pra pintar?
Vamos assistir televisão
Até os cérebros se derreterem com a podridão
Enxotaremos os clientes das livrarias
Até que elas virem choperias
Gritem com seus superiores
Espanquem os professores
Maltratem seus genitores
Façam-os chorar
A quem interessa educação?
Joguem os amigos na fogueira
Ridicularizem suas situações
Lealdade e compreensão:
Ideais sem compensação
Lutamos pela indiferença e ingratidão
Vamos fazê-los se sentirem amados
E queridos
Vamos fazê-los se sentirem
Respeitados
Vamos encorajá-los a fazer o bem
Com a finalidade do mal
A intenção no mal
Vamos vê-los dançar
Rir e cantar
Celebrar com o olhar
No fim eles vão chorar
Vamos arrombar a porta
Quebrar as janelas e entrar
Quem se importa se
(Ele) levou tempo pra pagar?
“Não agora John
Nós temos que continuar com a exibição do filme
Hollywood nos espera no fim do Arco-íris
Quem se importa sobre o que é
Desde que os meninos assistam
Então não agora John
Nós temos que continuar com o show!”
6 de outubro de 2008
The Final Cut
Will you still hold me tonight?
And if I open my heart to you
And show you my weak side
What would you do?
Would you sell your story to Rolling Stone?
Would you (...) leave me alone?
5 de outubro de 2008
A little demonstration of Madness (Reflexões de madrugada solitária)
As paredes brancas do quarto me desnorteiam
Quando percebo que estou preso no asilo mental
E nada do que faço
E por mais que eu tente fazer
Nada
Nada pode voltar o tempo, nada pode mudar as opiniões
Os (seus) receios
E em meio ao travesseiro sufoco
As inseguranças irrompem o limite epitelial
E tudo se transforma em desespero
Não tenho como fugir
E tudo se transforma em desespero
Quando constato minha ignorância
Quando me deparo com minha incapacidade
Os problemas não resolvidos (que não serão resolvidos)
E
Eu ainda não estou satisfeito
O capim esverdeou mais uma vez
No fim desse setembro
Mas não foi como antes
É fria a madrugada
A rede está vazia
E eu ainda ocupo o mesmo lugar
(na cadeira amarela)
A xícara de café não responde as minhas inquietações
E não alimenta minhas teorias conspiratórias
E meu único refúgio é pensar que nada é definitivo
Que para a morte
E apenas para ela
Não há uma segunda chance
E me conscientizo de que minha fraqueza é acreditar ter quatrocentas e noventa chances
Meus dedos estão ficando amarelados pela nicotina
Mas encher o pulmão de alcatrão
Não tem adiantado mais
16 de setembro de 2008
Noite inesperada com amigos
A conversa já ia animada, mas dobrou-se a empolgação quando um café foi anunciado. Ainda que não houvesse água na torneira da pia da cozinha, isso não era problema. Desceriam nem que fosse até ao córrego que havia perto (havia mesmo, ou era apenas impressão?) para pegar a água e garantir o preparo da bebida que garantia conversa. Ou na velha linguagem interiorana que ele tanto adorava, prosa mesmo.
Mudaram de local três vezes. Da calçada pra cozinha, da cozinha pro quintal, desse de volta para a calçada. Conversavam relativamente alto para ficarem ao fundo da casa, impedindo os demais habitantes de terem o sono merecido. A calçada era uma boa opção: fora recentemente lavada, e a visão da rua era muito aprazível, apesar de que a vista à esquerda carregasse um quê de misteriosa. A cada mudança a garrafa de café, o maço de Marlboro e o de Hilton longo eram carregados com importância quase religiosa. Mas de fato, só eles sabiam a importância de um cigarro e um gole (muitos, muitos) de café durante uma madrugada com amigos.
O assunto rendeu. Veio e foi muitas vezes, passou por diversas vertentes (que, ao menos pelo primeiro julgamento, nada tinham a ver uma com a outra). Vestibular, vida na universidade, doutrinas religiosas, interpretações bíblicas, existência de vida extraterrestre inteligente, e até mesmo o porquê de se fumar Marlboro.
É de se lembrar que, infelizmente, nem mesmo as noites com amigos (provavelmente o tipo mais nobre de noite existente) deixam de sofrer a implacável ação do relógio. E assim sendo, a conversa, que fluía natural e livre como a água do (possível) córrego próximo, foi cortada pelo despertador do celular dele, que avisava insistentemente as “cinco e meia da manhã” que chegavam, normalmente o horário em que ele acordava (ou ao menos tentava) para ir pra faculdade.
Entraram no carro, sem não antes ajudarem a carregar cadeiras e copos para dentro de casa e se despedirem, girou a chave e ouviu-se, provavelmente por toda a rua que ainda, timidamente, acordava naquela segunda-feira nascente, o ruído do motor do velho e companheiro Fusca verde. Pisou fundo o acelerador e viraram a esquina, deixando para trás apenas lembranças e o agudo som da engrenagem do carro, que foi enfraquecendo cada vez mais, até se tornar inaudível.
Ele a deixou em casa e seguiu, afobado, para a sua. Precisava arrumar o material, dar um jeito no rosto e descer para o ponto do ônibus, nos vinte minutos restantes. Ainda que esse detalhe o preocupasse um pouco, nada se comparava à sensação de tempo bem aproveitado, que valia mais que uma semana de ostracismo, que valia mais que duas horas no cinema. Mais que uma sessão da psicóloga. Um convite inesperado para se passar uma noite com amigos: não tinha um valor capaz de ser compreendido, pensava ele enquanto guardava o Fusca na garagem.
15 de setembro de 2008
Time (David Guetta)
Eu espiei uma garota com um homem em queda
13 de setembro de 2008
Manhãs de falsa esperança
11 de setembro de 2008
Caminhada
Cortes e recortes mentais
Eu já entrei em buracos negros
Negros como as noites de solidão
Escalei suas paredes sujas e úmidas, escorreguei
Caí
E me levantei
Eu já percorri caminhos longos, cheios de espinhos
Já andei por vias tortuosas
Perdi-me no mato, acompanhei o andar (deles)
no mais absoluto silêncio, temendo por despertar (quem?)
(Você?) (ou eles?)
Nas mais frias madrugadas deixei minha casa
Rumo aos destinos que você me apresentava
Esfriei as mãos no freio congelado
Pelos corações frios escondidos dentro dos corpos quentes
Já marchei rumo ao infinito
Ao indefinido infinito
E fui muito feliz
Caminhando retilineamente, com passos contados e ritmados
Segui a vida sua
Eu já ouvi o que não devia
E prossegui fazendo o que era errado
(Embora o Certo seja uma questão contextual)
Nas águas espumantes da represa mergulhei
Sem pensar e sem olhar para trás
À noite, sabe, a gente não consegue distinguir muito bem as coisas
Pedaços de madeira jogados e abandonados
Confundem-se com o brilho da lua que parecia tão perto
Tão fácil
Eu já pensei em me matar
Para chamar a sua atenção
Mas morto, não saberia sua reação
Toda minha vida foi uma busca incessante de como te manter vivo e presente
E eu criei lembranças
E eu forcei vínculos
E eu arranjei uma maneira de tornar as pessoas dependentes de mim
E eu arranjei uma maneira de não ser esquecido
E por tudo isso eu pago, pois aprendi a não esquecer
A cada nova manhã, me sinto mais distante
O sol bate na minha testa, esquenta meus olhos
Protegidos (?) por debaixo dos óculos escuros
A cada novo dia, estou mais distante
Nessa estrada que percorro
Olho muitas vezes para trás
Na esperança de ver sua sombra
Há outras sombras, que eu desprezo
Não estou só
Mas sigo solitário
E espero que minha falta seja sentida
E que o sofrimento escorra pelas suas paredes
Te afogando em um poço de remorso doloroso
E eu não sou mau
E eu aproveito todas as chances que tenho
De ser bom
Nesse asfalto frio
Nessa noite sem lua
Prossigo a marcha
Por dentre a estrada de eucaliptos
Sinto o calafrio do medo
(Que medo?)
Toda minha vida foi uma busca incessante de como lhe fazer permanecer e permear o meu futuro
E nessa busca
Deixei passar o presente
Sinto o calafrio do medo
O vento balança os eucaliptos
E eu sinto na espinha o tremor dos pneus das bicicletas
Quando cruzavam sem receio a estrada sem luz
E a noite toma conta
Eu deixei o vinil tocar mais uma vez
Para tentar entender a diferença
Entre Nós e Eles
A mágica que havia e nos fazia ligar
Um ponto ao outro
E agora não sei onde (você) está mais
Se está entre Eles
E se sou só Eu agora
Há um novo sentido em fazer café e sentar na rede a contemplar o horizonte por detrás das cercas de madeira
E é a ausência de sentido
De porquê
Por essa estrada de quedas
E de altos e baixos
Continuo minha caminhada
Porque é impossível parar
E a cada vez que o sol nasce
Traz uma nova experiência
E vou assimilando novas formas de vida
E vou aprendendo as grandes lições
Mas continuo olhando para trás
E de novo
Eu já voei pelas noites afora
Seguindo-te de perto
Com o olhar
Já cortei meus pensamentos
Com o vento que transpassava a mente
Já recortei e colei sua vida
Inteira
Manipulei
Omiti
E sutilmente mudei o rumo da história
Mas ela se consumou
E chegou ao final
E todas as manhãs
Enquanto preparo meu café solitário
Inconscientemente tento te acordar
Ainda não consegui (me) acordar
E por isso (ainda) penso
Que tudo isso é só
Um sonho ruim
10 de setembro de 2008
As aventuras de Yoko (parte 2)
Apostando todas as suas fichas e gastando o pneu de seu Porsche Sport, Yoko se desloca para a clínica onde Henrique Hernadez trabalha. Uma fachada fenomenal não a intimidou, ela sabia que estava entrando em território inimigo e deveria ser discreta já que sua intenção era “roubar” o massagista e convencê-lo a trabalhar em sua clínica.
Yoko adentra o estabelecimento, como sempre linda e fina, e com seu objetivo traçado. Ela decidiu que queria aquele massagista trabalhando em sua clínica. Seu cabelo liso até um pouco abaixo do ombro, loiro, e seu Gucci levemente avermelhado chamaram a atenção de todos que estavam na sala de espera. Yoko se dirige à recepcionista, e com palavras educadas, porém firmes, ela diz que gostaria de ser atendida por Henrique Hernandez. A recepcionista lhe diz que as sessões de massagem com Henrique são as mais cogitadas e devem sempre ser marcadas com duas semanas de antecedência. Yoko então pega seu LG Prada e liga para seu amigo Vicenzo Costa, com o qual teve um affair há alguns anos e hoje ocupa uma cadeira no Senado nacional. Em menos de 15 minutos a recepcionista chama Yoko e lhe diz que ela será atendida por Henrique Hernandez. Yoko, por sua vez não ficou surpresa: ela sabia que Vicenzo faria qualquer coisa por ela. Ainda sim, ficou a imaginar o que ele teria dito ou prometido para a recepcionista para que ela fosse atendida pelo cogitado massagista sem mesmo ter marcado hora.
Antes da massagem, Yoko passa por uma demorada sessão de esfoliamento com algas marinhas. Ela não estava ansiosa pela massagem, queria apenas fazer uma proposta de negócio para Henrique e sair daquele lugar o mais rápido possível. O motivo da pressa era que Yoko ainda não tinha comprado seu vestido para o grande baile da cidade, para o qual somente a realeza era convidada (e é claro que Yoko havia sido convidada). Com todas essas preocupações, ela provavelmente nem repararia na aparência que Henrique Hernandez, ainda mais que ultimamente não tinha cabeça para relacionamentos.
[Continua...]
9 de setembro de 2008
Cafezinho ao final da tarde
8 de setembro de 2008
As aventuras de Yoko (parte 1)
O relógio toca, e Yoko acorda linda e fina após uma noite de beleza, necessária já que terá um longo dia de trabalho pela frente e sua clínica de estética não se encontra longe dali. Ela entra em seu Porsche Sport, com seu sapato Gucci levemente avermelhado, sua maxi-bolsa Prada, e claro, sua inseparável maquiagem Lancôme, e pensa como sua viagem a New York tinha sido rendido na semana passada. Mas como não só de compras na Times Square uma diva vive, sentia que mais um dia de incógnitas havia começado, e o dever a chamava. E lá foi Yoko toda linda e fina voltando para a realidade. Ela já sabia que muitos problemas a aguardavam, como todas as vezes que deixava sua clínica nas mãos de sua sócia Rosicléia. Ela era sua melhor amiga, porém uma péssima sócia.
Já era hora do almoço, Yoko passara a manhã inteira resolvendo os problemas que sua sócia deixara. E ainda tinha mais um problema a resolver: o seu melhor massagista havia pedido demissão, pois Rosicléia havia abusado dele sexualmente, e ele não gostou. A partir desse momento havia começado a saga do “novo massagista” e lá foi Yoko. Após uma incessante procura nas casas de massagem mais conceituadas de Curitiba, tomou conhecimento de um ótimo profissional chamado Henrique Hernandez.
[Continua...]
7 de setembro de 2008
26 de agosto de 2008
Two Suns in the Sunset (Pink Floyd)
Afundando atrás das pontes na estrada
E você escorrega para debaixo do caminhão
22 de agosto de 2008
Empty Spaces
Para preencher
Os espaços vazios
Onde costumávamos conversar?
[Roger Waters, 1979]
14 de julho de 2008
Jogo de azar na noite anterior
Na mesa, sobra das comidas ingeridas na noite anterior, quando a casa estava cheia de gente e de som. Agora, uma brisa gélida circulava pelo ambiente, embora circulasse fraca: era difícil passar pelas apertadas e poucas frestas das janelas de metal já com sinais de ferrugem.
Ele dormira de cueca. Nunca fazia isso, mas na noite anterior estava muito alcoolizado para lembrar de colocar seu pijama após tirar a calça Jeans.
Levantou-se da cama, mas com a dor da câimbra que o frio sempre causava à palma do pé esquerdo, caiu para o lado. Bateu com a cabeça na quina da mesa de madeira nobre, e gotas de sangue mancharam o piso de tábua corrida há muito não encerado.
O sangue escorreu gelado pelo quarto, encontrando abrigo dentre as valetas do piso. Ao longe, no fim do dia, podia-se apenas observar o corpo pálido, rijo e frio caído, sem vestimentas e sem vida.
Na mesa, as sobras de comida transformavam-se em pequenas migalhas pelo trabalho das formigas miúdas e organizadas. A casa estava vazia. Sem gente, sem som, sem suspiro. Na noite após a noite anterior, a sorte não sorrira para ele.
Por um fio
Por quantas e quantas vezes eu não me enganei, pensando em fazer comigo o que seria melhor pra você...
Por quantas vezes não me desesperei? Tentei imputar a culpa em mim... e me moldar ao seu gosto...
Não existe culpa. Não existe pecado. Não existe escolha.
Deveria eu abrir o jogo com você?
E se eu abrir, o que vai fazer?
Você vai entender que não existe escolha?
Você vai olhar nos meus olhos e falar: estou ao seu lado nos bons e maus momentos?
Vai me dar a mão e me ajudar a levantar?
Vai me olhar com raiva?
Deveria eu abrir o jogo com você?
E se eu abrir, o que vai fazer?
Vai me olhar com desprezo?
Vai entender?
Irá se curar a ferida que vai se abrir?
Irá se abrir uma ferida?
Vou levar um tapa na cara?
Você me dá o espaço para eu colocar a verdade?
Vai se esconder? Vai fingir não saber? Vai querer escutar?
Vai conseguir me ouvir até o fim? Até a última palavra, até a última conseqüência?
E se eu abrir o jogo com você... o que vai fazer?
26 de maio de 2008
Viagem à agronomia
VÍDEO ORIGINALMENTE PRODUZIDO PARA A OFICINA DE Produção Audio-visual em Mídias Móveis DA SEMANA MAGNÍFICA MUNDI DA Faculdade de Comunicação e Biblioteconomia (FACOMB) DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS.
25 de maio de 2008
O gigolô das palavras (Luis Fernando Veríssimo)
Quatro ou cinco grupos diferentes de alunos do Farroupilha estiveram lá em casa numa mesma missão, designada por seu professor de Português: saber se eu considerava o estudo da Gramática indispensável para aprender e usar a nossa ou qualquer outra língua. Cada grupo portava seu gravador cassete, certamente o instrumento vital da pedagogia moderna, e andava arrecadando opiniões. Suspeitei de saída que o tal professor lia esta coluna, se descabelava diariamente com suas afrontas às leis da língua, e aproveitava aquela oportunidade para me desmascarar. Já estava até preparando, às pressas, minha defesa ("Culpa da revisão! Culpa da revisão !"). Mas os alunos desfizeram o equívoco antes que ele se criasse. Eles mesmos tinham escolhido os nomes a serem entrevistados. Vocês têm certeza que não pegaram o Veríssimo errado? Não. Então vamos em frente.
Respondi que a linguagem, qualquer linguagem, é um meio de comunicação e que deve ser julgada exclusivamente como tal. Respeitadas algumas regras básicas da Gramática, para evitar os vexames mais gritantes, as outras são dispensáveis. A sintaxe é uma questão de uso, não de princípios. Escrever bem é escrever claro, não necessariamente certo. Por exemplo: dizer "escrever claro" não é certo mas é claro, certo? O importante é comunicar. (E quando possível surpreender, iluminar, divertir, mover... Mas aí entramos na área do talento, que também não tem nada a ver com Gramática.) A Gramática é o esqueleto da língua. Só predomina nas línguas mortas, e aí é de interesse restrito a necrólogos e professores de Latim, gente em geral pouco comunicativa. Aquela sombria gravidade que a gente nota nas fotografias em grupo dos membros da Academia Brasileira de Letras é de reprovação pelo Português ainda estar vivo. Eles só estão esperando, fardados, que o Português morra para poderem carregar o caixão e escrever sua autópsia definitiva. É o esqueleto que nos traz de pé, certo, mas ele não informa nada, como a Gramática é a estrutura da língua mas sozinha não diz nada, não tem futuro. As múmias conversam entre si em Gramática pura.
Claro que eu não disse isso tudo para meus entrevistadores. E adverti que minha implicância com a Gramática na certa se devia à minha pouca intimidade com ela. Sempre fui péssimo em Português. Mas - isso eu disse - vejam vocês, a intimidade com a Gramática é tão indispensável que eu ganho a vida escrevendo, apesar da minha total inocência na matéria. Sou um gigolô das palavras. Vivo às suas custas. E tenho com elas exemplar conduta de um cáften profissional. Abuso delas. Só uso as que eu conheço, as desconhecidas são perigosas e potencialmente traiçoeiras. Exijo submissão. Não raro, peço delas flexões inomináveis para satisfazer um gosto passageiro. Maltrato-as, sem dúvida. E jamais me deixo dominar por elas. Não me meto na sua vida particular. Não me interessa seu passado, suas origens, sua família nem o que outros já fizeram com elas. Se bem que não tenho o mínimo escrúpulo em roubá-las de outro, quando acho que vou ganhar com isto. As palavras, afinal, vivem na boca do povo. São faladíssimas. Algumas são de baixíssimo calão. Não merecem o mínimo respeito.
Um escritor que passasse a respeitar a intimidade gramatical das suas palavras seria tão ineficiente quanto um gigolô que se apaixonasse pelo seu plantel. Acabaria tratando-as com a deferência de um namorado ou a tediosa formalidade de um marido. A palavra seria a sua patroa! Com que cuidados, com que temores e obséquios ele consentiria em sair com elas em público, alvo da impiedosa atenção dos lexicógrafos, etimologistas e colegas. Acabaria impotente, incapaz de uma conjunção. A Gramática precisa apanhar todos os dias pra saber quem é que manda.
LUIS FERNANDO VERÍSSIMO É JORNALISTA E ESCRITOR. DENTRE SUAS OBRAS MAIS CONHECIDAS ESTÃO "COMÉDIAS DA VIDA PRIVADA" E "O ANALISTA DE BAGÉ".
4 de abril de 2008
A mitologia do preconceito lingüístico (resumo)
Mito n° 1 – “A língua portuguesa falada no Brasil apresenta uma unidade surpreendente”
Considerado o maior mito do preconceito lingüístico, e o mais sério também, ele engana até mesmo “intelectuais de renome, pessoas de visão crítica e geralmente boas observadoras dos fenômenos sociais brasileiros” conforme nos diz o próprio autor. Este mito pressupõe a existência de uma única forma do português falado no Brasil, reforçada maciçamente pela gramática normativa ensinada nas escolas. É um absurdo pensar que, em um país tão grande, com inúmeras diferenças regionais e sócio-econômicas, a língua falada não apresenta variações.
Acreditar nesse mito é acreditar que há apenas uma língua portuguesa correta, a expressa na gramática normativa, e tratar as variações da mesma como inexistentes. Então, o que acontece com os brasileiros que (em sua maioria) não dominam a dita norma culta? Bagno diz que seriam, pois, os “sem-língua”, ironizando a suposta obrigatoriedade de se dominar a gramática para se poder dizer que fala o português. A ignorância em relação às variações da língua portuguesa é um problema muito sério se pensarmos, por exemplo, que a norma culta ensinada como norma correta nas escolas pode representar uma “língua estrangeira” – nas palavras do autor – para os alunos que não convivem com a mesma em seu meio social.
Mito n° 2 – “Brasileiro não sabe português/ Só em Portugal se fala bem português”
Estes dois mitos, também muito comuns, são chamados por Bagno de “duas faces de uma mesma moeda enferrujada” que “refletem o complexo de inferioridade” advindo desde o Brasil colônia. É comum ouvirmos que o português está sendo “assassinado” ou corrompido pela população que não domina a norma expressa pela gramática normativa. Isso é o mesmo que dizer que os brasileiros somente têm o direito de usar o português falado em Portugal, sem nenhuma variação que expresse sua cultura ou status social. Também se escuta que a língua será destruída pela invasão de termos estrangeiros, duramente condenados pelos gramáticos conservadores. Esta previsão é feita há mais de um século e até hoje não se tornou verdade. A incorporação de termos estrangeiros é inevitável, pois nosso país se encontra sob uma inegável dominação econômica e cultural, e de nada adiantaria tentar se resolver o “estrangeirismo” sem primeiro pensarmos na fonte do “problema”.
Para resolver os mitos aqui mostrados, é preciso que nos conscientizemos da diferença entre o português falado aqui e em Portugal, que é grande a ponto de os lingüistas preferirem chamar nossa língua de “português brasileiro”. Bagno a exemplifica com a questão dos pronomes “o/ a”: em Portugal, é comum falar-se “Eu o vi” ou “Eu a conheço”; aqui, entretanto, é raro escutarmos esta construção em uma conversa comum; mesmo quando o falante domina a norma culta, prefere dizer “Eu vi ele” ou “Eu conheço ela”, que é forma usual em nosso país. Trata-se de uma mudança na língua falada brasileira, que cada dia é mais diferente da falada em Portugal. A gramática normativa, entretanto, desconhece ou finge desconhecer essa mudança, essa transformação pela qual nossa língua passa à medida que vai se tornando “mais brasileira”, e não se atualiza, continua se baseando na gramática de Portugal, ajudando assim a se manter essa crença de que o certo é falar-se como os portugueses o fazem.
Mito n° 3 – “Português é muito difícil”
Este outro grave preconceito tem a mesma origem que o acabamos de ver (brasileiro não sabe português). O que acontece, é que a nossa gramática, como já foi falado, se baseia na gramática vigente em Portugal, que apresenta uma língua falada muito diferente da nossa. Assim, o português tal qual estamos acostumados a aprender, o da gramática, pouco uso tem em nossa vida cotidiana. Como diz o autor, nossa concepção de aprender português é “decorar conceitos e fixar regras que não significam nada para nós”.
Fala-se que o português é difícil porque esta disciplina estuda uma língua que não corresponde à língua viva que falamos, cujas regras não são mais utilizadas por quase ninguém e ainda por cima só são totalmente dominadas por alguns, o que contribui para a visão de que “saber português” é algo distante e para poucos. Um bom exemplo citado por Bagno é o caso da regência verbal no verbo assistir. O aluno pode ser forçado a escrever inúmeras vezes a frase “Assisti ao filme” dentro da sala de aula, mas na primeira oportunidade fora dela, usará a forma “Assisti o filme”. Isso porque a gramática usada por nós, uma gramática “intuitiva”, própria do nosso português, não encontra mais a necessidade da forma regencial com a preposição a. A gramática escolar, entretanto, não leva em conta – como bem diz Bagno – o uso brasileiro do português.
Mito n° 4 – “As pessoas sem instrução falam tudo errado”
Este mito encontra sua base no primeiro mito apresentado, ou seja, a existência de uma única forma de português falado no Brasil (necessariamente, nem se precisava lembrar, a forma culta). Dessa forma, qualquer variação do português normativo é considerada errônea e sofre imenso preconceito, sendo até ridicularizada e motivo de chacotas.
Bagno explica que, muitas vezes, o preconceito não existe contra as variações da língua usadas pelas pessoas marginalizadas da sociedade (carentes, pobres, “sem instrução”) por si só, mas sim contra as próprias pessoas e, por extensão, contra a “língua” por elas utilizadas.
Mito n° 5 – “O lugar onde melhor se fala português no Brasil é o Maranhão”
Esta falsa afirmação tem por fundamento o fato de no Maranhão se usar ainda com grande popularidade o pronome tu e suas respectivas formas verbais, ao contrário da maioria do Brasil, onde, devido à “reorganização do sistema pronominal”, este pronome foi substituído pelo você. Acredita-se, portanto, que o português do Maranhão é “mais correto” simplesmente porque ele ainda possui o que Bagno chama de “arcaísmo”, ou seja, o uso do pronome tu, que reflete os mitificado “português correto” das antigas obras literárias e da fala comum em Portugal, mas que se encontra em vias de extinção no falar brasileiro.
Não há uma variedade da língua que seja melhor ou mais bonita que outra. “Toda a variedade lingüística atende às necessidades da comunidade de seres humanos que a empregam” afirma o autor. Assim sendo, a partir do momento em que a variedade não corresponder mais às necessidades pelas quais existe, sofrerá as transformações necessárias para se adequar à nova situação. É importante que o mito da língua melhor ou mais bonita seja derrubado para que se abram os olhos para a riqueza cultural das várias variações existentes em nossa língua.
Mito n° 6 – “O certo é falar assim porque se escreve assim”
Seguindo o mesmo fio da falsa crença de que apenas a gramática normativa é o português correto, existe uma tendência a ensinar que se deve falar como se escreve. A aprendizagem correta da ortografia oficial é muito importante, pois a escrita é uniforme para toda a língua (todos precisam ler e entender o que está escrito), mas há uma supervalorização da escrita em lugar da fala. Os diferentes sotaques são expressões culturais próprias de cada indivíduo, e é impensável tentar suprimir esta identidade a fim de se criar uma língua falada que Bagno descreve como artificial.
A escrita é uma tentativa de se expressar a fala, visto que a forma escrita por si só (ou seja, desacompanhada de pontuações e termos acessórios) não consegue demonstrar a quantidade de emoções que a fala o faria. Como argumento da importância da fala em relação à escrita, o autor nos mostra a importância de uma língua na sua forma falada para o estudo científico, pois esta é a sua representação mais atualizada, é nesta forma que ocorrem mudanças que estão a todo o momento transformando a língua. Além disso, “o aprendizado da língua falada sempre precede o da língua escrita, quando ele acontece. Basta citar os bilhões de pessoas que nascem, crescem, vivem e morrem sem jamais aprender a ler e a escrever! E no entanto ninguém pode negar que são falantes competentes de suas línguas maternas”.
Mito n° 7 – “É preciso saber gramática para falar e escrever bem”
Este mito é um dos mais difundidos. Tão comum é esta afirmação que faz com que a cobrança do estudo da gramática seja feita não só pelos professores, mas até mesmo pelos pais, que muitas vezes não conseguem entender quando o professor ou a escola tentam, senão mudar, ao menos abrandar o estudo maçante da gramática.
Para mostrar a inverdade deste conceito, o autor lança mão de vários exemplos que nos mostram o contrário. Um deles é simples e direto e fala que, se a afirmação fosse verdadeira, todos os gramáticos seriam excelentes escritores, e vice-versa. Porém, isso não acontece. Bagno ilustra este exemplo com declarações de relativa ignorância da gramática normativa emitidas por nomes indiscutivelmente ilustres da nossa literatura: Rubem Braga, Carlos Drummond de Andrade e Machado de Assis.
Outro fato gritante que inviabiliza o mito é a origem das gramáticas ocidentais, na Grécia. Na época de sua criação, sua função era a de registrar e descrever as manifestações lingüísticas livres usadas pelos autores admirados da época, como Platão e Ésquilo. Vê-se aí uma inversão violenta dos valores que temos hoje: a gramática normativa surge como um registro da língua, ao contrário do que hoje se acredita, ou seja, que os falantes da língua é que precisam da gramática para saber como a utilizarem. Apesar de ainda não se ter um consenso exato de qual a melhor maneira de se ensinar a língua portuguesa nas escolas, sabe-se que não é através da gramática normativa.
Mito n° 8 – “O domínio da norma culta é um instrumento de ascensão social”
Fechando o “circuito mitológico”, este mito se relaciona com o primeiro mito que mostramos, pois ambos mexem com questões sociais. Acreditar que se ascende socialmente sabendo a norma culta da língua é se ter uma visão preconceituosa acerca das variações não padrão da língua, acreditando que, no fundo, só mesmo a norma culta tem validade como língua. O primeiro e mais contundente exemplo mostrado é o fato de que, se o mito fosse real, os professores de português estariam no topo da esfera social, econômica e política, visto que são os mais entendidos da gramática normativa. E isso, sabidamente, não acontece. Mas qualquer detentor de grandes poderes ou propriedades, com sua importância reconhecida pela sociedade, poderá falar como bem entender sem ser questionado. Isso mais uma vez mostra que o preconceito não visa à língua por si só, mas sim quem fala a língua. “O que está em jogo não é a simples ‘transformação’ de um indivíduo, que vai deixar de ser um ‘sem língua padrão’ para tornar-se um falante da variedade culta. O que está em jogo é a transformação da sociedade como um todo...” explica Bagno, concluindo que inútil será falar de preconceito lingüístico sem nos lembrarmos do seu principal causador, a injustiça social.
Referência bibliográfica
- BAGNO, M. Preconceito lingüístico: o que é e como se faz. São Paulo: Loyola, 1999.
1 de março de 2008
Balanço para avaliar as minhas conquistas
28 de fevereiro de 2008
12 de fevereiro de 2008
Joanápolis - Parte 3 (versão editada)
10 de fevereiro de 2008
Linda manhã de Domingo
Vamos celebrar alegremente mais esse começo de dia imerso na solidão
Vamos cantar a Solidão...
Mais uma vez
Mais e mais
Vamos vestir vestes pretas
E vamos cantar a Solidão
Vamos dar as mãos, a esquerda para a direita, a direita para a esquerda
Afinal, não há mais mãos perto de nós além das nossas
Linda manhã de Domingo
O sol atravessa, intenso, a janela de vidro da sala
E clareia toda a parede branca já encardida
Ouço o som da gaita me carregar
Da mesa do café...
Estarei eu sonhando?
Ninguém em casa
Além de mim
Estarei eu sonhando?
Sol de manhã de Domingo
Por que me acordaste?
Por que dá-me logo de manhã esta constatação
Da solidão?
Deixe-me aqui
Imerso nos panos pretos da cortina mental
Celebrar esta linda manhã de Domingo...
9 de fevereiro de 2008
Angústia do homem de chapéu
O olhar constantemente voltado para baixo e a expressão fechada que encara a face da calçada. Ele queria muito estar com um cigarro na boca agora para tentar asfixiar toda aquela dor que sente no peito; que só ele sabe (e será que ele realmente sabe?) que por dentro há um clamor desesperado, e aqueles olhos estão quase sendo quebrados por tantas batidas. As batidas que sua consciência, inconsciente, faz para tentar quebrar aquela prisão, para tentar gritar e ser ouvida, expor aquele desespero.
Provavelmente ninguém reparou que o homem de sacola na mão e chapéu estava com uma lágrima iminente para cair dos olhos. (O cair da lágrima seria a soltura daquela angústia, mas bem se sabe que se a primeira caísse, se realmente os murros sem rumos da inconsciência (era consciente?) arrebentassem a barreira, não seria apenas uma lágrima que aqueles olhos deixariam escapar.)
Começou a chover. O homem aperta os seus passos e olha cuidadosamente para a rua, mapeando os buracos e fugindo habilmente (mas não tanto assim) das poças. A chuva engrossa e a água escorre da aba do seu chapéu. Um caminhão entra na frente do meu foco de visão e quando sai já não mais encontro o angustiado transeunte. Deve ter entrado no mercado.
29 de janeiro de 2008
Viagem de Vinte-nove de Janeiro
Os olhos estão bem fechados. E meu corpo está girando na imensidão escura pra onde minha mente sempre me leva quando meus olhos estão bem fechados.
Com os braços abertos, pego velocidade e viro o leme imaginário para a direção que eu quero. Não sei qual a direção eu quero.
"Por favor, mais uma xícara cheia de café!"
Nado em direção à borda da xícara para não me afogar no café, mas acabo saindo de lá escaldado. Melhor sentar-me na folha que vejo à minha frente. Não é tão grande, mas dá para escalar com facilidade e ficar ali toda a noite obsevando a Lua.
Subo na formiga que passa e me oferece carona para um galho mais alto. Subo mais e mais e mais e mais. Na ponta da última folha do último galho do último tronco vejo até a última estrela do horizonte. E vejo a Lua, majestosa.
Meus olhos estão fechados.
A outra mão se fecha esmagando a moeda de chocolate que outrora carregava no bolso. A tensão da mão e a temperatura do corpo recém saído do café faz o chocolate, antes moeda, derreter-se e escorrer pela imensidão escura pra onde minha mente sempre me leva quando meus olhos estão bem fechados. Bato a brasa do cigarro no cinzeiro de porcelana preta. A fumaça se confunde com a do café e ambas me elevam novamente até a última folha.
"Por favor, traga-me o isqueiro e a carteira."
Ao som da gaita continuamos a viajar por esta estrada desconhecida. Ela é povoada de árvores de lembrança e imagens conhecidas não mais reconhecidas. Continuamos a seguir rumo ao desconhecido. Mas é tão familiar como odores de café-da-manhã.
Fazemos parada em casas e lugarejos conhecidos, mas 'inda não atingimos nosso objetivo. Ele está lá, atrás de cada nova curva desta estrada que não vejo. Está logo depois daquela subida que corta nossa visão imaginária.
Os olhos estão bem fechados.