13 de dezembro de 2018

A criatura como a deseja o criador



venha como uma pancada de luzes, venha como hipnose ou hipnotismo, o que preferir. beba e sirva-se em minha casa, have a sit, comfortably. vagueie, adormeça e acorde, olhe sobre o muro, delicie-se. ligue o rádio ou o que quiser que faça música. jamais ouça sem minha permissão, contudo. não sou controlador, não seja controlador. venha com café, venha com odores que me agradem, não venha limpo, entretanto. não me traga limpeza, não venha com brancura, não seja antisséptico. cruze os braços quando a situação pedir, indigne-se, franza as sobrancelhas. me traga mais do que eu esperar. me surpreenda, mas não se demore mais do que o necessário. não faça de sua estadia uma tragédia, para você ou para mim. venha a calhar, sem que eu peça, mas também quando eu pedir. não se dissolva por mim, não viva minha vida, não me deixe perceber que irá abdicar de algo. não seja abdicador. arrase, destrua, marque seu caminho com rosas e fogo. seja coerente, abrasivo e arranque suspiros, meus ou de outros. não me importo. venha com olhos verdes ou castanhos, com pele retinta e unhas largas. mas sem elas também. venha com boca, com boca que beije, com boca que fale e com boca que sorria. não venha com boca que emburre. não emburre. entre quando quiser, mas não entre em meu espaço. tenha o seu, pegue seu assento, esteja confortável, mas não seja espaçoso. não seja meu inferno, não serei o seu. venha com mãos que puxem, venha para me tirar de mim, mas permita-se em meu universo também. não seja dramático, não seja exclusivo de si. e nem de mim. olhe sobre o muro e arranque do que vê algo melhor para hoje e diferente para amanhã. seja o mesmo e não vilipendie a rotina. mas não corteje a mesmice. venha com olhos verdes ou castanhos, com pele retinta e unhas largas, ou sem elas também. mas não se demore mais que o necessário.







10 de dezembro de 2018

No escuro




[N.A.] Nadando dentro de uma memória, lamenta-se o arrependido
Pela oportunidade perdida
Pelo descaso presumido
Pelo telefonema ignorado

Remoendo-se dentro de lamúrias que esperam por um fim, tenta em vão encontrar um conforto para sua própria irresponsabilidade. Mas a conta não fecha.




Ausente a luz e passos desconcertados. Tem bebido mais nos últimos meses, e culpa o momento político do país. Sabemos, sabemos que no íntimo não é bem assim. Tem dado as mãos aos vícios mais espúrios e arreganhado a boca em risadas amplas, ruidosas, que se esparramam pelo ambiente. Mas se houver um exame mais acurado por dentro da boca, veremos uma garganta que berra sem sorrisos.

O peito infla, esconde o soluço, e o ar quando expirado fala de coisas feitas e desfeitas, com voz que apresenta absoluto domínio de tudo. A situação está sob controle, e quando se aproximam as festas de fim de ano, o balanço dos atos, é preciso exalar os resultados. Tudo embrulhado em falácia – ainda que com papéis sedosos. Inexplicável como passaram-se noventa, cento e vinte, cento e cinquenta dias e a angústia permanece.

No escuro tateia à procura do que perdeu por desinteresse. Não mareja os olhos, por vergonha, mas ardem as memórias tentando recuperar o rubor sentido antes, o encanto, a espera, a presença. Duas cabeças duras, duríssimas, mas foi a sua quem deu de ombros sem explicações, e quis voltar atrás quando era tarde demais.

À oportunidade perdida, se vale a pena, deve-se prestar as condolências. Quando a conta não fecha, é preciso aceitar o prejuízo.



Fonte: Pixabay