14 de julho de 2008

Jogo de azar na noite anterior

Foi apostando na sorte que ele acordou naquela manhã fria.

Na mesa, sobra das comidas ingeridas na noite anterior, quando a casa estava cheia de gente e de som. Agora, uma brisa gélida circulava pelo ambiente, embora circulasse fraca: era difícil passar pelas apertadas e poucas frestas das janelas de metal já com sinais de ferrugem.

Ele dormira de cueca. Nunca fazia isso, mas na noite anterior estava muito alcoolizado para lembrar de colocar seu pijama após tirar a calça Jeans.

Levantou-se da cama, mas com a dor da câimbra que o frio sempre causava à palma do pé esquerdo, caiu para o lado. Bateu com a cabeça na quina da mesa de madeira nobre, e gotas de sangue mancharam o piso de tábua corrida há muito não encerado.

O sangue escorreu gelado pelo quarto, encontrando abrigo dentre as valetas do piso. Ao longe, no fim do dia, podia-se apenas observar o corpo pálido, rijo e frio caído, sem vestimentas e sem vida.

Na mesa, as sobras de comida transformavam-se em pequenas migalhas pelo trabalho das formigas miúdas e organizadas. A casa estava vazia. Sem gente, sem som, sem suspiro. Na noite após a noite anterior, a sorte não sorrira para ele.

Por um fio

Deveria eu abrir o jogo com você?
Por quantas e quantas vezes eu não me enganei, pensando em fazer comigo o que seria melhor pra você...
Por quantas vezes não me desesperei? Tentei imputar a culpa em mim... e me moldar ao seu gosto...

Não existe culpa. Não existe pecado. Não existe escolha.

Deveria eu abrir o jogo com você?
E se eu abrir, o que vai fazer?

Você vai entender que não existe escolha?
Você vai olhar nos meus olhos e falar: estou ao seu lado nos bons e maus momentos?
Vai me dar a mão e me ajudar a levantar?
Vai me olhar com raiva?

Deveria eu abrir o jogo com você?
E se eu abrir, o que vai fazer?
Vai me olhar com desprezo?
Vai entender?

Irá se curar a ferida que vai se abrir?
Irá se abrir uma ferida?
Vou levar um tapa na cara?

Você me dá o espaço para eu colocar a verdade?

Vai se esconder? Vai fingir não saber? Vai querer escutar?

Vai conseguir me ouvir até o fim? Até a última palavra, até a última conseqüência?

E se eu abrir o jogo com você... o que vai fazer?