17 de agosto de 2012

Confissões de um tolo


"Eu, quando dei o tiro, não me lembrei de mais nada."


Eu. Pessoa nascida em um mundo de chão, terra, sangue e unhas enegrecidas de carvão. Eu, carne e fé, pessoa de verdade, com méritos no peito. Mas, quando apertei o gatilho – ingenuamente chamado por mim de botão -, destitui-me de todos esses predicados ou denominações. Porque eu preferi assim.

A mim foi negada a verdade sobre o caso, e também sobre seus desdobramentos. Muito embora me envolvessem em totalidade. Eles não sabem que eu sei. Eles provavelmente jamais saberão. Eu sei, eu sei.

Perdoe-me, eu fui um tolo. E para pagar minha culpa carreguei, nas costas, o peso que é reservado a todos que agem como eu. Somos tolos. Por nossa ingenuidade (repito a palavra, coisa que não gosto de fazer, mas não há outra), por nossa excelência em honestidade e devoção, somos tolos. A nós, nesse mundo de valores, foram destinados os castigos de levar sobre a cabeça o peso das ações dos demais em que estes atributos não figuram.

A mim, e a muitos outros que estão por aí, muito será tirado durante uma vida toda. Por saber respeitar a vontade do outro, por temer não preencher as expectativas de todos, por querer evitar sermos considerados desleais ou indesejáveis, somos tolos. Caem sobre nosso céu – que, particularmente, é muito mais azul que os demais – as trovoadas de lixos e desleixos dos outros que, não tolos, orbitam na esplêndida cobertura. Não é para nós tal maravilha.

Eles não sabem que sabemos. Nem todos sabemos, em verdade, mas à grande maioria, a quem foi destinado poder experimentar de toda sua tolice, nada pode ficar por muito tempo escurecido. Iremos descobrir e perceber como agem e como pensam de nós. Pobres são eles, pensando que, tolos, não conseguimos enxergar nada. A beleza da tolice é que, liberta, nos permite examinar todos os reflexos. Nada pode ficar despercebido.

Mas o mundo não pertence aos tolos, naturalmente. Não mais, talvez não mais há muitos e muitos tempos. Assim, deve ter sido a nós destinado um outro lugar, e de preferência que seja agraciado pelo cintilar do experimentalismo. Os não tolos, pelo que sei, imaginam saber de tais lugares, imaginam ter atingido o pico. Ora, que “tolos”, não? A serenidade de espírito – chave deste paraíso – não repousa em suas cabeças. Pobres.

Mas o mundo, este, não pertence aos tolos. A mim foi negada a verdade, a nós foi reservado um encargo injusto. Porque somos tolos. Por isso, despi-me de todos os predicados, reservei-os em um banco maciço e empoeirado. A partir daqui, regozijei-me, não serei mais conhecido por denominações ou posses. Essa dor, este peso cairá; não me lembrarei mais de nada. Eles provavelmente jamais entenderão. Foi quando apertei o botão.