28 de dezembro de 2010

Escritório & Expediente

Aconteceu de eu escolher me esconder aqui, nessa construção de concreto, nesse escritório cinzento. Onde as pessoas falam demais sem escutar o que os ouvidos suplicam para ouvir. Eu percorri muitas cadeiras rodantes, muitos pisos escorregadios, eu subi por cabos azuis de internetes de velocidade insatisfatórias, eu andei por dutos de ar empoeirados, eu desci as escadas erradas.

À noite eu estive nas janelas à sua espera, isso aqui tudo é muito frio na escuridão. Eu guardei pra você tudo o que colocaram na pequena geladeira, eu escondi os docinhos. Eu me disfarcei de papéis de impressora, eu me cobri com jornal. Eu troquei os monitores de lugar, eu pintei um coração. Eu fiquei me fingindo de mouse, defeituoso e jogado, só para esperar por você.

Eu me enganei de porta, eu subi sentado no contrapeso do elevador. Eu usei as saídas de incêndio para entrar, eu invadi a copa para beber café. Eu acompanhei toda a implantação do jardim ali fora, contemplei o gramado mudar sua tonalidade, fui atingido pelos seus pedaços aparados. Estive na diretoria, li alguns papéis que não poderia, guardei os outros. Sorri para os superiores, beijei os subalternos. Eu dancei pelos corredores enquanto todos estavam para o almoço, eu abanei o braço na janela entreaberta. Quando as passagens de ar entupiram, eu estava lá para mover as hélices novamente, eu escorreguei pelos corredores subterrâneos de roupas sujas.

E, embora ninguém tenha percebido minha presença, qualquer atento me encontraria espiando por detrás dos armários de arquivos. Ninguém os lê, a poeira e as traças os consomem. Todos estão muito [pré]ocupados com suas rotinas engessadas e seus passos estão contados e registrados, não há tempo a perder. Não há nada mais para olhar, não há novidades no ar. As cores já foram todas catalogadas, não há odores a mais por descobrir. Tudo o que quiseres saber, encontrarás nas páginas virtuais postadas à sua frente, contra ou a favor de sua vontade. Os olhares estão voltados para os caminhos internos feitos sob essas fileiras de lâmpadas todos os dias, não há mais curiosidade. A imaginação e a criatividade estão sepultadas.

Eu apostei corrida com as cadeiras de rodinhas pretas da sala da coordenação, eu me bronzeei deitado na mesa de reuniões. Ninguém percebeu quando todos os relógios saíram de sintonia e, ao menos durante um dia, os expedientes tiveram horários distintos. Eu pus Ubuntu nos computadores e nem todos reclamaram. Nas confraternizações, eu furtei as Cocas e os guaranás que, sim, iam sobrar de qualquer forma. Se ninguém possui habilidade ou coragem para tal, como poderiam, de um dia para o outro, estarem todas limpas as vidraças?

Aconteceu de, depois de toda essa desilusão, você ter escolhido viajar e eu, me esconder aqui, nesse escritório de concreto, nessa construção cinzenta. Estou mais próximo de você do que a sua mão está todos os dias às sete. Só eu sei de coisas que nem sua cintura delineada percebeu. E eu continuo reservando os docinhos da geladeira. Pra você.






21 de dezembro de 2010

Saudades de casa...

O som distante me traz a outras memórias. Eu estou acordado, estou acordado e seguro sua mão. Estamos naquela rua estranha, aquela rua estranha de novo, lembra? Ela é pequena e tortuosa, ela não tem final. Ela descamba...

Num minuto eu olho pra trás e estamos pertos de casa, estamos na esquina. Eu me volto para você, a rua estranha diante de nossos pés novamente. Estamos abraçados juntos àquela velha cerca de madeira, as fazendas, as plantações e a Lua, longínquos, mas ao alcance dos olhos, ao alcance de nós. Estávamos fantasiando?

Debaixo da sola dos meus sapatos há um visgo de tudo o que nos trouxe até aqui. Um pedido, uma noite, uma promessa, o amor.

De repente eu me encontro aqui no meio dessa cidade desconhecida, devo ter saído do rumo com os olhos vendados. As praças estão vazias, como nas manhãs de domingo. Há uma melodia distante que me repuxa, estou me locomovendo involuntariamente sobre esses pisos irregulares. Os carros estão lentos e acinzentados, as pessoas com suas faces cobertas, essa downtown fantasmagórica.

Estamos juntos, juntos e distantes demais, eu não consigo percorrer esses curtos passos que nos levam de volta. Minhas mãos em sua cintura e contemplamos atemporalmente o horizonte preguiçoso. O som distante me traz a outras memórias, o som de outras épocas me dessintoniza, e uma fagulha elétrica me arrepia a espinha. Eles estão nos chamando...


18 de dezembro de 2010

Língua, lóbulo, pescoço. Amor.

Escorre pelas pontas dos meus cílios o vapor do amor, me pertence todo esse corpo. Seu. O jogo está mais apavorante, eu estou no time da boa vantagem, o adversário me adora e há banquetes e flores em meus pés. Com sua língua meu corpo se faz vigoroso, mais água cai sobre as palmas das minhas mãos, estamos vermelho-azulados. Brilham na escuridão os olhos nossos, verdes, brancos, amarelos de suspeitos incensos. Me aperta e me enlaça com força, estou jogado sobre a face macia do seu bem querer. Me engole, me despe, e estou pendurado no gancho. À alta temperatura do forno, a vítima que espera o abate. Eu.





8 de dezembro de 2010

"Uma barata escura vagueia...

... no porão, e ao mesmo tempo há um rato roendo os fios da lavadeira. Meu dedo te conduz, e o teu acende a vela. Contudo, o mundo mantém seu giro e eu acordarei todos os dias pela manhã. Amém.”

Os olhos não conseguem se manter na órbita, a mente não consegue se manter nos olhos. Tudo o que você vê, tudo isso não é você. Seus sonhos são destruídos, seus amores, traições. Deram um tapa em seu riso. Os papéis te dizem que és grandioso, mas seus pés não conseguem ler as linhas. E se algum dia alguém lhe perguntar o que foi feito dos cordões, não saberá como esconder a mentira.

Você está morto. Então, você está morto? Afiou a lâmina, fez o corte, rodopiou até se tornar são novamente. Você me deixou em um corredor muito longo para que eu consiga enxergar a porta. E agora que descobriu que todo o quarto não se pode percorrer, prefere ficar enrolado nos lençóis deitados na cama.

Afinal, o que são os faróis? O que eles apontam na direção de meus olhos cansados? Não estão me ajudando a enxergar, estão embaralhando minhas ideias da estrada. Aonde foi parar o caminho? As faixas brancas da pista se enrolaram meu pulso e eu tenho os movimentos contidos. Como as órbitas dos olhos, estão desfocadas minhas intuições. Não sei o que fazer com você.

Eu bebo a água, mas todos os dias trazem-na novamente. É como o girar dos ponteiros do relógio, mas estão atrasados. Não se encontram, estão sempre distantes, e a hora não passa. Essa pontualidade impontual adoece minha percepção. Aguçada e febril, debilitada e úmida, encharcada de sangue, aponta-me o dedo. Então, estou morto? Eu não me lembro de quando atravessei a porta, devia haver um porteiro.

Quem me permitiu passar para o outro lado da sala, foi o mesmo que me deteve nas eras passadas? E se eu continuei a persistir no mesmo erro, foi agora que encontrei minha punição? Meus olhos orbitam algo que minha percepção, a aguçada, não abarca. O que vejo não é o que existe. O que existe, vejo?


Passei por todas as fechaduras, destranquei todas as portas. Eu engoli as chaves, eu cravei a pimenta, eu pensei. Eu enxerguei o que todos não viam, eu percebi a dimensão das lâmpadas, eu enrolei as faixas, eu brinquei com a lâmina. Eu te fiz de cozinha, eu quis cair na piada, eu te chamei de mãe. Eu corri com os lençóis, eu te abracei. Eu girei nas hélices, eu voei. Eu provei da dor, eu a transformei em prazer. Eu desiludi o amor, eu me permiti poderoso. Mas, ainda e apesar de tudo, não compreendo nada.

6 de dezembro de 2010

Uma flor em minha noite

Não é pra celebrar a noite, mas eu prefiro que o desgosto aqui pingue, não vamos desperdiçar palavras entaladas na garganta. Não é minha cena de despejo predileta, eu poderia ter sido jogado de um ônibus em movimento. Não é o momento de celebrar as alegrias do mundo, mas o que fazer, não é pra ela perceber que meus punhos estão cerrados...

Se o sexo com o outro é melhor, e se minhas manias a agoniaram... Se meu olhar penetrante a assustava demais, se minhas velas negras brilharam mais que os seus olhos poderiam suportar... É, não é minha cena de despejo sonhada, eu poderia ter sido decepado durante um passeio na escada rolante.

Se a fumaça do cigarro lhe entrou pelo pulmão ou a fez lacrimejar, o que farei eu senão cruzar os braços e esperar. Tomei um banho de café quente, estou moreno e saboroso. Mas se meus beijos não conseguiram a segurar, e se minha mordida era fraca demais para sua libido poderosa, o que eu poderei chorar nessa noite desgostosa?

Pisou em minha dignidade, praguejou meu nome no meio do salão, cuspiu sobre mim na frente de nossos amigos. Era mesmo eu ou devia ser ela a sair? Se não lhe importa os cartões de amor deixados na porta da geladeira, se minhas mãos eram frias ou pequenas demais, como poderei me desesperar?

Se eu saí escorraçado, se meu rabo está entre as pernas, será que eu devia chorar ou xingá-los ao me pedirem pra sorrir? “Você sabe, essas coisas acontecem, era melhor isso do que os chifres chegarem a apontar entre os fios de cabelo.”

Será que ele a colocará sobre a pedra da cozinha com mais delicadeza, será que ele irá lambê-la em todos os sentidos em que eu fazia? Será que ela vai apertar o lençol com as unhas e rasgar suas costas também? Não, não é pra celebrar essa noite, mas eu prefiro cantar o desgosto e bailar entre as gotas de chuva com as luzes desses postes solitários. Minha música é melhor, minha música é melhor...


28 de novembro de 2010

Desordenado, eu

Estou andando no corredor escuro. Minha visão é limitada, quase nula. Nos braços, as fissuras dos passos dados em direções incorretas, nas pontas dos dedos os cortes pela excessiva exerção do tato. Os ouvidos escutam vozes distantes, embaralhadas na confusão do desespero. As paredes sinuosas entortam e se retorcem assim como a esperança. Há falhas no processo: há passos a frente, há retrocesso. Pouco a pouco saio do lugar, mas cada modificação me reconduz a uma nova configuração de ambiente e é difícil prever, é difícil entender. As pedras dos limites estão úmidas como antes a libido, mas o ar é seco. Meu isqueiro não funciona, talvez porque não tenha mais fluido, talvez porque eu não queira ver a luz. Talvez porque eu não queira aceitar me conscientizar de onde desembarquei afinal, desde a fuga naquela quinta-feira fria. A escuridão me protege de conhecer o que me tornei depois de toda a dor? As mãos retalhadas não conseguem me dizer a textura da face, mal sinto os cabelos. Desordenada passagem do tempo, se a há. Ritmados e constantes, apenas os muitos pulsares do meu coração, da mente febril, das vozes que ouço do outro lado de cada fronteira. Pouco a pouco saio do lugar, mas tenho a leve impressão de andar em círculos...

23 de novembro de 2010

Casa da vida

E era no casarão sem velas que eles se encontravam... Havia uma sala onde as portas se abriam para dentro, para dentro dos corações apaixonados, e o candelabro empoeirado recitava poesias ressignificadas sobre o amor, essas coisas assim...

Nas janelas (re)desenhadas de acordo com as vontades de cada um, umas eram fechadas demais, outras deixavam soprar a deliciosa brisa das tardes com chuva. E era mais ou menos assim, essas coisas assim...
No berço de ouro deitava-se o rei, era o berço de outro? Seu cetro cravejado de brilhantes ideias que relampejavam lá fora, eram os trovões, eram as ações de provimento, eram as ordens de divertimento. E que todos se amassem, e que todos se abraçassem, essas coisas assim.

Assim, assim e desse jeito, no casarão sem velas e sem energia elétrica, onde só as luminescências dos corações aquecidos iluminavam o caminho desconhecido entre corredores, quartos e porões abandonados. A cozinha de pé-direito alto tinha ladrilhos coloridos e torneiras emborrachadas, onde a água molhava de acordo com a cor preponderante. Preponderante era o tom animado do tempo, ditado entre cantorias dos relógios, dos talheres chacoalhantes nas muitas multi gavetas.

E era no casarão de cores apagadas por fora que a vida se agitava por dentro, embora ninguém suspeitasse que, naquela fachada antiga e rajada, o sangue pulsasse com empolgação... Era assim, essas coisas assim...

10 de novembro de 2010

O fim da canção...

Por detrás das sombras, ecoando dentro de minha cabeça, os passos que foram dados na direção incorreta. Almejando o sucesso nunca alcançado, os pesadelos, senhores, retornam. Alguns imersos em torrentes de dor, alguns tentando se aproximar a um ideal de sublimação. Frágeis...

A torneira foi aberta.

Há uma grande mata, escondida pelos devaneios de los mayores, pelos senhores da reprovação. Presos entre seus galhos, dependurados como as folhas, os temores banais e os insólitos, as realizações incompreendidas, a glória doméstica.

Arrasada, mais arrasada a cada tempo, a consciência do orgulho, o orgulho, estão todos em chamas. O dedo apontado faz obscurecer, a palavra dirigida, diminuir. E tudo se encolhe. Os méritos estão a perigo. Por enquanto, a grande tormenta os observa de cima. Está esperando sua deixa...

A torneira foi aberta. A mão deitou-se sobre o registro, as gotas jorraram, vigorosas, um exército incontrolável, sedento da sede que não podia ser saciada. Jorrou também o sangue do outro, a bem feitoria não posta na balança. Os atos deixaram de valer, os olhos foram fechados. Nunca mais as boas ações, nunca mais a tentativa do êxito. E a tormenta desaba, e a mata escorre, e as sombras se dissolvem no grande nada por demais escuro, demais vazio.

Há uma singela canção, que longe toca enquanto todo o mais vai sendo engolido. Como o fim do disco, chega o fim do por do sol, e a escuridão devora. A torneira aberta, também ela é absorvida pela água sem direção, foi traída pelos soldados a quem libertou, e nada mais é o lugar que devia ser.

Longe, a vitrola sinaliza, de dentro da cabana de madeira envelhecida, o último fechamento das cortinas.



29 de outubro de 2010

Together, hand in hand

Não, não corra de mim! Não vê que para sempre o escuro poderá me tomar, e será difícil encontrar meus pedaços jogados à revelia?

Vem, pegue minha mão. Estou à sua espera, estou orando, estou jogado no chão. Às vezes é mais difícil suportar, às vezes só o cigarro pode encobrir minhas vistas encharcadas...

Não, não permita que mintam para você. Porque eu sou melhor do que dizem, porque eu preciso ter a chance de provar a força que emana desse coração sedento por amar. Não, não corra...

Olhe à sua volta. Os arames estão apertados nos pescoços deles, e eles são infelizes. Mas meu sol brilha soberano, e isso é tudo o que eu posso lhe oferecer... Um castelo, minha companhia e café na cama todo dia...

Pegue minha mão.
 
 

Calmaria

Passada a dor do primeiro momento, ele suspirou. Não era como antes, havia agora uma barreira entre todo o resto. As cores se desvaneciam, o céu era enegrecido. Sempre o fora? Não.

Passada a dor primeira, as gotas de chuva caíram de suas pálpebras. Eram chuva realmente? A mão, precisa e firme, deslizava errante pelo corrimão, enquanto os pés subiam e desciam, galgando gradativa e descendentemente os degraus. Abaixo, sua visão era limitada. Estavam encharcados os olhos, ou ele simplesmente não queria ver? Queria ele ver, mas não via porque os olhos estavam encharcados, e ele não se deixava admitir? Perguntas dispersas...

Elevou a cabeça à altura da janela. O vidro estava respingado das gotas, as árvores balançavam com o vento forte. Lá fora era uma tormenta, mas aqui, bem aqui dentro, era a. Como se todos os eclipses começassem a pulsar com força, jorrava de dentro uma indignação desesperadora.

Acalmou-se, acendeu um cigarro, deixou limpar-se pela fumaça. As pontas achatadas dos dedos batucavam com desarmonia a superfície da mesa de madeira. Era mais ou menos assim o fim das eras? Essas eras inteiramente humanas, inteiramente internas. Ele era todo melancolia.

Passada a dor do primeiro momento, clamava-se por reflexão, e a calmaria não tardou a vir. Dias depois, o sol brilharia através das cortinas. Dias depois, ele as arrancaria com força, e o sol se voltaria com glória para sua face. Iluminara-se, como há muito tempo não se via. Radiante, galgou as escadas da satisfação; elegante, pisou firme seu terreno conquistado. Os enigmas permanecem, os mapas estão todos aí, camuflados nas paredes, enterrados nos cruzamentos das duas consciências. Ele era todo esperança.
 
 

20 de outubro de 2010

Años (Mercedes Sosa & Fagner)



O tempo passa e vamos ficando velhos
E eu não reflito o amor como ontem
Em cada conversação, cada beijo, cada abraço
Se impõe sempre um pedaço de razão

Passam os anos e como muda o que eu sinto
O que ontem era amor vai se tornando outro sentimento
Porque, anos atrás, tomar tua mão, roubar-te um beijo
Sem forçar o momento
Fazia parte de uma verdade

O tempo passa e vamos ficando velhos
E eu não reflito o amor como ontem
Em cada conversação, cada beijo, cada abraço
Se impõe sempre um pedaço de razão

Vamos vivendo vendo as horas que vão passando
Velhas discussões vão se perdendo entre as razões
A tudo dizes que sim, a nada digo que não, para poder construir
Essa tremenda harmonia que põe velhos os corações


Porque o tempo passa e vamos ficando velhos
E eu não reflito o amor como ontem
Em cada conversação, cada beijo, cada abraço
Se impõe sempre um pedaço de temor

Vamos vivendo vendo as horas que vão passando
Velhas discussões vão se perdendo entre as razões
A tudo dizes que sim, a nada digo que não, para poder construir
Essa tremenda harmonia que põe velhos os corações

O tempo passa e vamos ficando velhos
E eu não reflito o amor como ontem
Em cada conversação, cada beijo, cada abraço
Se impõe sempre um pedaço de razão

Porque o tempo passa e vamos ficando velhos
E eu não reflito o amor como ontem...

[Pablo Milánes]

14 de agosto de 2010

Não ouço, não percebo, não sinto

Não há nada no mundo que não me faça lembrar a perdição. Imagens vazias, espaços com vazios mal alocados.

Oh, por favor, minha gente
Olhem para um céu mais cinza
Estamos sobre suas cabeças
Estamos rezando por vocês

Nas mesas de madeira há cortes abertos no verniz, a coisa está se desmanchando
(Ninguém percebe)
Nos escritórios dos arranha-céus pessoas que se deslocam sistematicamente, mas elas não sabem aonde estão indo (aonde estão chegando?)

(Ninguém se preocupa)

Correntes, pesadas correntes
Prendendo minhas mãos a esse modo de viver, a esse modo de dizer
Eu gostaria de falar o que realmente penso
Mas os ouvidos dessensibilizados não conseguem ouvir
Ouvem o chamado
Ouvem a ordem
Ouvem o que é certo ou errado fazer
Mas meus rabiscos de felicitações no caderninho da cozinha passam em silêncio

Oh, por favor, minha gente
Olhem para um concreto mais escuro
Estamos sobre nossas cabeças
Segurando um pêndulo extraordinariamente pesaroso

Mas com suas ht-rotinas atando-os a esse círculo vicioso
Ninguém se libera
Ninguém nos ama
Ninguém se importa
Ninguém vê
Ninguém ouve
E nos dissipamos no cotidiano
Fazendo história com horários agendados e compromissos fixados e inadiáveis

Imagens vazias, não porque o são devidamente. Imagens vazias pois seus significados perderam a batalha em meio à plasticidade das eras...

A agulha do bom senso

i. agulhadas

Perfurando meus intestinos, e as vísceras mortais mais profundas,
Agarra-me pela garganta, suga-me o ar e me puxa para baixo
Noites imundas

A verdade está além do que pode ser observado
Mas machucamo-nos uns aos outros sem nos dar conta
Uma a uma as lanças são lançadas, e ainda estamos olhando para o outro lado
Procurando um sinal de bênção no céus

A Terra abaixo de nós se dissolve, o dia ilumina nossa face cansada
Linhas e marcas de expressão de tempo desperdiçado
Os olhos fundos de lágrimas, a mancha negra percorre o rosto
Desfigurados estamos, preparando-nos para o fim terrível

Oh bom senso que me foge, deixa-me regado de gozo, de prazeres findáveis
Minha imagem se desfaz perante os demais, minha alma se macula
Maculados também os sentimentos dos demais à minha volta, usados como marionetes
Mas não sou eu, oh, não sou eu o maldoso ventríloquo [será a situação? será a (im)possibilidade de ação?]


ii. sentimentos retraídos, contraídos

Como todos os outros dias, caiu a noite
Passos distantes, motores invocados por divindades, as máquinas já não são as mesmas
Cavalgando em galopes díspares, uns mais adiantados, outros mais benevolentes (?)
É a hora do ajuste, é a hora

Como se tudo tivesse se tornado normal
Trocamos beijos e parceiros por outros beijos de parceiros dos primeiros
Na vil imoralidade da carne
Sentimentos traiçoeiros se desesperam, traídos, re e contraídos

No epicentro dessa grande evolução, essa revolução esbranquiçada e pegajosa
O problema está além do que se obtém ao fim do convencional
Porque nada mais aqui é natural
Bandejas repletas de peças plásticas (vamos atender ao desejo de todos!)

Os preços não se sustentam, o valor abaixa, abaixa também um milheiro de cuecas
Vermelhas, brancas, amarelas
Jogadas ao chão sistematicamente

É a festa da quantidade
Quanto mais for absorvido mais chances temos de sair nos tablóides de amanhã
A sucção ilimitada não pode ser contida, não deve ser parada
Peças humanas, envernizadas e retocadas, jogadas ao chão
Usadas, muito provavelmente não terão mais outra serventia (é essa cultura de novidades)

Mas amanhã, no outro dia
Os restos mortais estarão bem visíveis
Para quem quiser ignorar a festa da hipocrisia, a queda dos valores
O império irá se desmoronar




iii. acerto de contas

Quando baixou o terceiro cetro
E o ordenado se cumpriu
Milhares de almas queimadas vivas
As etiquetas apagadas - perderam seu valor

Permitiram-se demais, a individualidade se perdeu
Não se trata de promiscuidade, é a simples equação da quantidade
Ataques por minuto, beijos por piscar de olhos
Uma mão aqui dentro, a outra lá fora
E fez se a alegria, por ora

Mas a lança certeira os cortará
Decepando-lhes as cabeças, troféus desmerecedores do título
E os olhos se abrirão novamente
Cessará a plasticidade
As ranhuras das mãos voltarão a serem percebidas
Os contornos dos olhos reluzirão, como os sorrisos
Um detalhe, uma pinta, um formato de unha, uma cicatriz de cotovelo

Iluminadas as casas, as épocas e os caminhos
Voltaremos a integrarnos num grande coletivo,
Sem que haja a perda da nobreza de nosso caráter

Amém.

7 de agosto de 2010

Inveja & Desejo

Parte I

"Doctor, doctor
What is wrong with me?
This supermarket life is getting long"


Parte II (Ainda mais distante)

Eu estou preso em uma jaula escura, e as cortinas não se ajustam ao meu querer de abri-las.

Por dentro, o imenso vago. Vago como ruas largas, em que os automóveis já não passam mais. Essa cidade abandonada. Usei de toda a minha engenharia para fazer-me melhor, pra fazer-te melhor comigo. A construção desmoronou.

O quarto escuro, de cortinas empoeiradas que já não podem ser abertas. Os ferrolhos da porta estão enferrujados, as persianas estão desintegradas. Presas por fios de teias apenas.

Tecidas as mãos, como num cobertor sufocante, eu estou/sou um casulo de proporções desajustas. Meus ouvidos escutam os clamores, meus olhos vêem, lacrimejando, chorando. Eu não sou mais o objeto do desejo.


Parte III (Desejoinveja)

Risos e faces bonitinhas, caminhamos de mãos dadas entre os outros. Trocamos carinhos, apertos e beijinhos. Falsa felicidade, vida de plástico. Sua maquiagem começou a borrar. É tarde, querida, é tarde.

Risco a pedra, faz-se o fogo, Abençoe-nos, Deus! Meu cigarro está aceso novamente. Com a outra mão, entrelaço seu lado. Discretamente, beliscamo-nos, destruímo-nos, e ninguém está percebendo esse jogo de farpas maldito.

A queda é inevitável, estamos presos pela nossa (má) vontade, pendurados pelo lado de fora da janela. É questão de tempo. Você me empurrou, eu permiti. Eu não te segurei, você não se importou. Pouco a pouco nos colocamos um ao outro nesse abismo.

Pedras de Coca-Cola em meu copo de naftalina, quis me envenenar como à sua própria vida de desgostos. Sangra-me as gengivas, parece que estou perecendo? Longe do resto, seguros (?) em nossa morada interior, a guerra se inicia.

Não nos resta mais coração, não nos resta mais paixão. De seu corpo, apenas o desejo sistemático, transformado em inveja, em raiva. Sugo-te todos os fluidos, estou me tornando mais forte. Seco, e vejo-te seco, aqui à minha frente. Estás enrugado. O que já foi minha outra metade, minha terra-firme? Estou sentado confortavelmente assistindo ao seu desespero.

Empurro-te da janela. Eu não sou mais o objeto do desejo. A queda é inevitável.

A construção desmoronou.




[Parte I - trecho de AMUSED TO DEATH, Roger Waters, 1992]

Eu acho que só vim pra dizer um Adeus

Porque, agora, eu estou sendo jogado na lata de lixo. Mas ainda há uma espiral que me liga a você? Por que não a corta? Por que mantém esse jogo maldoso?


Era uma atração simples e real
Eram amores todos os dias
E não faltava carinho, e não nos deixávamos perecer
(Agora eu escrevo na chuva)

O momento escorria lentamente; gotas esbranquiçadas de luxúria e amor, mandávamos um ao outro
Havia cumplicidade, havia paciência, compreensão
Havia boa vontade

Agora eu desejo, eu ainda quero
Mas uma parede de gelo se formou sobre você
E eu me transformei em um amorzinho repulsivo
Por mais que tente, eu não atinjo mais o seu coração

Há um ponto delicado, em que você perdeu o que sentia por mim
E agora, esses formulários
Fumaça extinta, respirada novamente
Eu me descontrolo, eu tento, eu choro
Mas eu me tornei uma presença não presente
Invisível e decadente

Ainda há luz nos meus olhos, ainda há esperança em minhas mãos
E eu circundo você, eu estou balançando os braços
Essa é minha deixa, não poderei ficar para sempre
Eu continuo à sua espera

Antes tão conectados, e agora somos estranhos dormindo na mesma cama...

Eu estou na janela
Observando-te com um cigarro discreto entre os dedos
Estou anotando como gosto de suas expressões,
Estou registrando como o desejo a cada detalhe


O tempo passa, e essa frieza chegará a mim
Eu estou enviando os sinais,
E é preciso que você abra os olhos antes que seja tarde demais


4 de agosto de 2010

And although, you're the only home I know...



Emerging from my world
Imagine living in a box
And I won't come out
Until I've broken all the locks

Slurring all my words
Until something sticks
But in this smoky universe
My mind keeps playing tricks

And although
You're the only home I know
As if by Magic
Thoughts of you are gone
And now I'm keeping my head in the clouds
And it's not so tragic
If I don't look down

Submerging from your world
And back into my bliss
A day rolled into one
Is burning on my lips
Blurring all your words
Until they don't exist
And in a parallel universe
It's me you can't resist

And although
You're the only home I'll ever know
As if by Magic
Thoughts of you are gone
And now I'm keeping my head in the clouds
And it's not so tragic
If I don't look down


[As if by magic. La Roux. La Roux album, 2009]


O fim de todas as coisas

Triste despejar de sentimentos ao ar. É como acontece quando conhecemos uma pessoa nova, e há um desvínculo de outra antiga? Eu estou partindo pra um novo céu? Haverá muito mais além, além dos muros que meus pés alcançam?

É como uma nova estoriazinha para dormir. Tudo está bonitinho, tudo é encantador. Mas eu estou começando a sentir o peso da sua mão sobre meus ombros. Eu tento suavizar, eu tento compreender, mas não, mas não. Eu penso que é como um trilho colocado sobre minha sombra, e ela o percorre sem que eu escolha ou permita. E eu continuo dançando no escuro, solitário.

Pelas manhãs, o sol acinzentado invade a janela, e quando eu a abro, o dia está lindo. Uma rajada de vento invade meu espírito, e eu saúdo a todos. Mas não posso falar, mas não posso sorrir. Fechado e debruçado sobre meus tênis, enquanto amarro os cadarços, esse não sou eu. Não, esse é alguém modelado para satisfazer seus desejos mais secretos e profanos. Quando eu fecho os olhos para uma nova boa vibração, quando eu escondo meus valores, quando eu ponho os ouvidos no descanso. Esse não sou eu.

Um espaço infinito invade, meus reais sentimentos evadem. Onde estará minha devoção? Porque o terreno começa a erosar? Um beijo seco estala meus desejos até a completa finitude, e eu prefiro o beijo sensual dos meus ex-cigarros. Meus olhos estão coloridos. O azul permeia as pálpebras, e, por enquanto, esse não sou eu. Meus desejos estão gritando, eu estou preso e encantoado. As palavras são bonitas, mas as ações não mais as acompanham.

A rosa colorida era vermelha, era viva, mas agora eu vejo um funeral acima de tudo isso. E suas pétalas estão caindo lentamente. Minha liberdade está sufocada. Meus dedos não podem mais tocar o que antes tocavam, e eu não alcanço mais essa piscina em que me purificava. Estará secando? Eu continuo, continuo no escuro. Dançando sem saber.

O futuro parecia muito promissor, mas os planos estão sendo cortados com uma tesoura de picotar. E os cortes são bonitos, e as margens são encantadoras. Paninhos de prato feitos com os metros de tecidos dos nossos planos. Há vida além disso, e eu sobreviverei.

Mas, por agora, eu continuo dançando no escuro.


2 de agosto de 2010

Pleasure at Hell

"Porque hoje de manhã eu acordei com a toalha na cabeça e a pimenta na boca."


E eu não quero mais saber das suas desculpas. Qualquer coisa dita aleatoriamente poderá ser usada contra sua vontade. A minha vontade prevalece. A minha culpa, eu a retiro lenta e dolorosamente. Fácil dizer, fácil usar. Usar sem prazer, como a gente acontece ultimamente.

A última gota de suor praguejou contra mim. O cigarro foi apagado e o cinzeiro está cheio. Como o pulmão. Como as redomas que envolvem nossos desejos. Presos, já não falam mais por si. Eu me rodeio de pessoas ingratas. Por essas companhias, minha testa arde. Arde junto tudo o que eu poderia desejar.

Caímos em prantos todos juntos. Abraçados e ajoelhados, todos juntos. Estamos perecendo o castigo de um demônio heterossexual. As labaredas de fogo nos pegam aos poucos. Meus dentes rangem enquanto minha outra boca goza um prazer desigual. É como se fosse só eu. Só eu.

Enquanto permanecem fechados, os olhos afogam a mente com intenções cruelíssimas. É como se o amargo de toda uma vida girasse em torno de minha língua. Mas não sou só eu a apodrecer. Labaredas de fogo queimam nossos cabelos alisados, meu osso se mostra, corajoso. Vai ser pouco o que sobrar.

1 de agosto de 2010

Uma prece à vida-amor

I - Fragmentos recolhidos

Depois de um certo tempo, as pólvoras umedecidas ainda estão a ponto de bala. Molhadas estão as pestanas, após tanto tempo adormecidas.

Uma a uma, enfileiradas e disciplinadas, as ordens de sucessivas sinapses estão aguardando no formulário, que ainda terá de ser revisado. Sou o mesmo de antigamente? Talvez me falte óleo nas juntas, um pouco mais de clareza. Quero um banho.

Estou cansado, cansado e com mal estar de estar não lá muito perfumado. Deve ser esse calor, deve ser essa falta de pudor. Talvez, vá, talvez. Estou com vontade de por um cigarro entres os dedos, porque é que eu fui inventar essa de não fumar mais? Ah, a pele. Os cabelos, o perfume. O bolso, meu Deus, o bolso! O bolso agradece. Talvez até mais que os pulmões.

Voltemos toda a atenção para o café. Até escolhi duas imagens interessantes pra inscrever aqui.

O banco da praça está aguardando por uma nádega que o esquente, numa noite fria e pouco convidativa a suspiros de amor. A filha mal criada não pensa nos pais quando está nos braços do homem que a despejará no outro dia. Ele não sabe nem mesmo seu nome. É, é a primeira estrela que vejo na noite. Meu pedido já foi efetuado.

Enquanto isso, Sheriff fareja formigas no quintal. Ele não sabe rezar, mas ainda sim Deus atende às suas preces. E lágrimas já não mais saem de seus olhos tristonhos e rastejantes.







II - Uma prece à vida-amor

Eu preciso de um pouco mais desse seu elixir. Eu preciso me sentir mais vivo, Vivo! Como se me escorresse pela pele afora, como se me banhasse em um lazer sagrado. E profano.

É a cada movimento, mais e mais, sentir o que você sente. A cada gesto, um olhar mais profundo, que me afunda. Que penetra na alma com o vigor de um suspiro. De uma lança perfurante, é o sangue do lado, é o olhar fulminante.

Misteriosamente, a cada minuto torna-te mais forte, e esse toque marca como se de fogo, como se de fogo queima internamente os tecidos, acende uma explosão contida, os pelos estão eriçados. Há uma fricção em tudo isso, há uma sentimentalização do antes puramente mecânico. Mentira, contudo, porque mecânico somente nunca o fora.

Eu preciso sentir esse elixir. De onde vem a fonte da vida, de onde jorra a bebida sagrada, o símbolo do pacto, a materialização de um desejo expresso entre olhares e toques, entre beijos e mordidas. É um jogo sujo, é uma perseguição perversa. Mas eu sou bom, e minhas intenções são puras.

E antes que se possa dizer a palavra, estará tudo (des)colocado em seus devidos lugares, antes que se possa raciocinar o que é indescritível terá sido proclamado, e minhas mãos e bocas poderão provar, por indícios irrefutáveis, que a juventude percorre, ao menos até amanhã e depois do depois do amanhã, e ainda mais um pouco talvez, as minhas veias vívidas de sangue.

Amém.