29 de janeiro de 2009

Viagem de Vinte-nove de Janeiro 2

Continuamos viajando

Continuamos marchando, andando
Percorrendo, pedalando, caminhando
Prosseguindo, subindo, dirigindo
Andando a passos curtos ou largos
Rápidos ou devagar

Continuamos viajando


Em um ano as coisas mudaram
E eu nunca mais ouvi Atom Heart Mother na área da fazenda
São de pequenas anotações que vamos fazendo as construções
Pequenas partes de memória juntas que se tornam poderosas
Rememorar, viajar, sem, entretanto, sentir saudades dolorosas
Um simples fechar de olhos, simples exercício de esquecimento
Do momento presente, dos problemas existentes
Navegar pelos rios obscuros das lembranças
Que nunca são fielmente retratações do vivido
São barcas inundadas pela imaginação

Em um ano as coisas mudaram
E o som da gaita se calou
Mas não ficamos no silêncio
Trocamos o disco, mantendo, claro, os que merecem ainda serem escutados a salvo na estante

Choveu mais
Mas não é só por isso que continuo usando o guarda-chuva
As boas lembranças não serão nunca motivos de rancor
E eu não serei mais hipócrita de negar os méritos a quem os merece

Mas o ano passou rápido

As certezas mudaram
Obviamente mostrando, primeiramente, que não eram certezas
O ritmo foi alterado, o que eu pensei ser casa
Não era casa
Era um santuário onde pude contemplar meu crescimento
Era o filosófico refúgio
E me refugiou bem enquanto eu precisei
Santo estabelecimento

Em um ano
Mudaram-se os valores
Mas continuo insistindo que há
Um original imutável
A honestidade, a preocupação
A alegria, a eterna motivação
Então há um original imutável
Que resistirá a todas as intemperanças
O resto
Caiu por terra
Mudaram-se os valores
Os rumos foram trocados
Pareceu, por um tempo, que haviam posto um capitão louco no timão
Depois percebi que louco era eu insistindo na rota de colisão

Então primeiro
Descobrimos que a ética usada não era verdadeiramente funcional
Que o controle era exercido por uma linha de falsa moral
E vimos que tudo era muito bonito, tudo era muito bom
Enquanto os interesses fossem atendidos, enquanto as falhas não fossem questionadas
Enganamo-nos
E foi preciso sangue-frio, e foi preciso usar de ousadia e coragem
Para nos libertarmos das correntes que nos limitavam a visão
Tão ardilosas, que nos propunham uma autolimitação
De pensamento, da capacidade de conspiração
Assustamo-los
Quando tomamos o controle, quando pusemos à prova
E deixamos nuas as imperfeições

E continuamos viajando

Em um ano só os verdadeiros permaneceram
E os vínculos existentes com estes
Cresceram e se fortaleceram
E adicionamos
Em um ano o número de novos verdadeiros multiplicou-se

Os objetivos traçados
Não podiam mais ser usados
Estavam avariados

Em um ano
Aprendemos que não era muito saudável
Que não era muito aproveitável
Gastar o tempo do presente com preocupações para o futuro
Ainda mais quando no fundo sabemos que esse futuro é ausente
Você pode manipular, retardar, e, junto com tudo isso, fantasiar
Mas certos caminhos não serão mudados
E certas verdades, ‘inda que sejam cruéis, não perderão a essência

Os problemas existem
Os problemas, muitas vezes, persistem
Mas passeiam soltas pelos dedos
Suas resoluções
Modo que, de certo, a real dificuldade seja correr atrás da solução
E encaixá-la nos antígenos, nos falsos problemas reais

Em um ano
Percebemos a importância do dinheiro
E pela primeira vez perdi o sono com dívidas
Pequenas, mas ainda sim incomodativas

Passamos a dirigir carros
E as bicicletas ficaram de lado
Passamos a bater carros
E percebe-se que são mais caros
E que junto a essa mudança de condução
Junto a essa notável evolução
Na verdade vieram inclusas responsabilidades
E um mundo de possibilidades
Espera-se que você esteja adulto para usá-las
Supõe-se que você esteja adulto para suportá-las

Em um ano
As mudanças trouxeram novas preocupações à vida
Aliás, justamente o que deixa a vida divertida
O motivo real de ela valer a pena ser vivida
Aí as canções apaixonadas passam a ter sentido
Sentimos emoções novas e fortes
E aprendemos a bolar estratégias complexas
As dores do amor se mostram violentas
E capazes de fazer a razão se recolher em uma singela casinha
Frente à mansão que dedicamos ao coração

Passei a fumar mais
E a gostar mais de fumar
A procura de um estilo próprio
E a preocupação com o Eu aumenta
A vaidade floresce
A pessoa emagrece
Mas o original imutável...
O original imutável permanece

E continuamos viajando

25 de janeiro de 2009

Só mais uma declaração


Percorro mil olhares da minha janela
Meus outros olhos aqui, concentrados na tela
A brisa gélida da noite vem me acompanhar
Ofereço-lhe um café, pergunto se não quer fumar

Estou de braços cruzados parado na sua porta
Mas você não pode me ver

É madrugada, eu estou sozinho na sacada
Os pensamentos voam longe, mesmo com a luz apagada
Meus objetivos foram levados embora
Voltaram pra lá com você, e agora

Estou de braços cruzados parado na sua porta
Você consegue me ver?

Estou dentro da sua televisão, estou chamado sua atenção
Você consegue me perceber?

Estou parado na sua frente, ansioso e temente
Você consegue sentir?

Estou gritando seu nome, estou esgoelando
Você consegue me ouvir?

Estou de braços cruzados parado na sua porta...
Olhando em seus olhos e me perguntando se vai entender
Se vai compreender o que eu sinto por você

Poderá o tempo responder?

24 de janeiro de 2009

Inhumas

[Trecho de Histórias no interior de Goiás, narrativa pessoal sobre uma viagem feita com mais dois amigos por várias cidades do estado a bordo de três bicicletas.]

(...) Cruzamos caminhões de cana, passamos por uma usina, que, aliás, era de onde brotavam aqueles caminhões todos, e depois chegamos a ultima cidade que visitaríamos nesse dia: Inhumas. A estrada foi um tanto cansativa, primeiro pelo perigo que representava aqueles caminhões, com suas carrocerias repletas de cana que pendiam dum lado pro outro, às vezes voavam pedaços de cana dali, e com isso dobrava minha/ nossa preocupação. E depois porque tinha muitas subidas, pelo visto desde que saímos de Anápolis estávamos subindo, as descidas nunca compensavam as subidas, pelo menos não em número. Mas enfim nós chegamos à bendita cidade. E chegamos a tempo de pegar dinheiro na loteria central e ainda procurar uma loja de peças para bicicleta, porque o pedal dos meninos estava rachando. O meu, he he he, eu o troquei antes de sairmos pelo interior afora, mas eles não acharam necessário fazer o mesmo. Bem, graças a Deus deu tempo de fazer tudo isso. Aliás, na loja de bicicletas, Felipe, como sempre, colheu frutos do seu implacável sorriso: os pedais mais baratos que tinha custavam oito reais e no fim do papo iam sair por dois reais. Não satisfeito com o “super-mega-desconto”, Felipe sorriu um pouco mais para o dono da loja, e os pedais saíram de graça. Bem, não foram totalmente gratuitos, o gentil senhor pediu aos dois que colassem alguns adesivos nas bicicletas (uns sete ou dez) para fazerem propaganda da loja, e aí bastou isso para que a dupla de felipes estufasse o peito e dissesse que foi patrocinada pela loja de Inhumas.

Até agora, a cidade que mais nos tinha agradado era Nova Veneza, pela beleza, e Vila Nova, pela hospitalidade de D. Tereza. Para mim, Inhumas parecia ser muito agradável, mas a pressa impediu-nos de conhecer melhor a cidade. A pressa para continuar pedalando antes de desaparecer o último raio de sol e também uma pitada de temor de permanecermos na cidade após o anoitecer, porque ela era muito maior que qualquer outra pela qual já tínhamos passado. Além de tudo isso, estava a nossa própria pressão psicológica, uma vez que não tínhamos cumprido mais que a metade da meta diária de viagem, ou seja, uns vinte cinco quilômetros, ou talvez até trinta fosse o que percorremos nesse segundo dia, quando o ideal seria cinqüenta. Assim sendo, mal as bicicletas estavam prontas, com seus novos pedais (uns pedais vermelho-sangue feios pra danar, não espanta terem saído de graça), nós só passamos numa padaria, compramos pão, margarina e mortadela, e adeus Inhumas. Para nos presentear, uma subida maravilhosa para sair da cidade. No trevo, tiramos algumas fotos de um monumento e cruzamos perpendicularmente a GO 070, em direção a Araçu, a sexta cidade do trajeto. (...)

23 de janeiro de 2009

Cidadani(a)gonia

Era noite quando o despertador tocou
E na algazarra o povoado se levantou

Pela minha frente passam rostos
Minados por fontes de desgostos
Correndo em grande desespero
Pela falta de tempo ou dinheiro

É madrugada ainda e no corredor
Passam pessoas enroladas no cobertor
Faces desconhecidas que fogem do credor
E escurecem o caminho com suas vidas de falso louvor

Fechando depressa a porta de madeira escura
Batendo-a na cara da filha de mãe impura
E deixando que padeça de fome na idade imatura
Afinal, querida, quem disse que a vida não é dura?

Atravessa a avenida do avesso
Os mortos carentes de apreço
E esticam a mão fatigada
A espera de uma simples torrada



E há sempre os mais tolos, os mais bobos, que dão colos
E um afago, um abraço, e até uns carinhos fogosos
Deixe estar, espere pra ver, vai encher sua vidraça de tijolos

E no findar da história
Quando estiver se gabando de glória
Verá o feitor, pálido de horror
Largar o açoite
Explicando porque não mais dorme à noite

22 de janeiro de 2009

Alguém espera por mim

Abra os olhos
Eu não sei onde estou
Eu me perdi por aí
De tanto andar atrás de...

Meu coração entoa cânticos sôfregos
Meu coração palpita esperança

Eu devo estar feliz
Talvez devesse estar triste
Eu não sei
Eu me perdi por aí

Meu pensamento está longe
E eu começo a caminhar
Pra onde esses pés irão me levar?

Eu já sou velho
Eu já devia ter entendido
Mas, lento, sigo meu caminho

Pra onde esses pés irão me levar?

Eu sei que em algum lugar, alguém espera por mim

Fecho os olhos
Porque não sei pra onde vou

Palpitante, meu coração me conduz
E eu continuo, continuo

O tempo passa para quem segue
E corre para quem se acomoda

Continuo, continuo

Soam em meus ouvidos
Sinos vindos de uma época
Um futuro não tão longe
Um passado recente

Está lá
Eu ainda não posso sentir
Eu ainda não posso ver
Ainda não posso ouvir

Mas
Eu sei que em algum lugar, alguém espera por mim

Eu poderia parar
Poderia chorar

Desistir de prosseguir

Eu poderia me cansar
Poderia desconcentrar

Desistir de acreditar

Mas não
Não posso
Não serei o perdedor

Meu pensamento longe
Meu coração palpitante
Meus pés de caminhante

Pra onde esses pés vão me levar?
Eu não sei
Deveria me preocupar?
Há alguém a me chamar, eu sei

É pra onde eu quero ir
É onde quero estar
Esses pés vão me levar

Eu sei que em algum lugar, alguém espera por mim

Teorema da conspiração 3

[Parte 1]

Cavou o túnel
Passou pela chaminé
Fugiu

E nas entorpecentes cordas da guitarra
Viajou, flutuou
Far away


[Parte 2]

Apertou o botão
Deu-se novamente a ignição
E haveria perdão
Se houvesse necessidade na ocasião

Na sala de espera
Pensamentos confusos
Quando se abre a porta do consultório
Ao invés de um branco anormal doutor compulsório
Vêem-se brilhos radiantes, difusos
Da metálico-envidraçada esfera

É esta atmosfera
Em que o tempo não opera

Há um cinzeiro gigante
Sobre a minha cabeça pensante
E quando você os olhos abrir
Vai sentir a fumaça sumir
E sorrir
Meu grande cigarro de filtro branco
Vai secar com seu calor
Todo seu pranto
E sufocará com força o rancor

Casa
Casa de novo
Casa enfim
É bom ter um lugar pra mim
Vou fritar a asa
E cozinhar um ovo


21 de janeiro de 2009

The Flying Machine

Eu não posso acreditar
Que você está deixando o tempo passar

Hoje vamos fazer de uma maneira diferente
Você vai acordar lentamente, e vamos jogar pra bem longe
Essas cobertas
E essa cortina velha vai se abrir

Eu não posso acreditar, é difícil
Que você esteja deixando desperdiçar
Sua única vida

É o prazo de o fogo queimar
De a água jorrar
De a Lua pular, por todas as suas fases

E você acha que vai continuar
Imerso nessa sombra?

Olhe para os lados
E levante os braços
Ao som do consonante piano
Sua alma vai assim se elevando

Há uma gota de bondade nos seus olhos
Eu posso ver
Há um lampejo de esperança nos seus olhos
Eu sei, eu posso ver

Vem comigo
Me dê a mão
Eu vou te tirar desse chão

[Saindo, saindo]
Vem, vem voar comigo

Você não vai entender
Será impossível compreender
Se não confiar em quem quer lhe ajudar

Abra os olhos
Está uma linda
Está uma clara manhã hoje
Vem voar comigo

As neblinas vão permanecer
A paisagem não vai mudar
Se você ficar
As dificuldades vão existir
E as pressões parecerão te esmagar
Mas só se você deixar

[Saindo, saindo]
Está deixando esse chão
Segure a minha mão
E confie que há um só coração

Não deixaremos o tempo passar em vão

18 de janeiro de 2009

Mudança de estação

Correm pelos céus as notícias
E de um ponto a outro do globo
Famílias choram em seus aposentos

Tímido e escondido, o sol pouco a pouco
Se transforma na mais feliz das memórias humanas
E vira quase uma lenda, quando a neblina espessa
O prende no calabouço profundo

Na noite que se segue
O fantasma da monotonia prossegue
Sua profissão de espalhar agonia

No fundo do abismo
Onde pensam estar protegidas
Milhares de νεράιδες
Entoam seus cânticos de desespero
Clamando pelo sossego
Ou uma simples ajuda divina

Mas nos dias que se seguiram
Os céus enegreceram


Ao redor de suas fogueiras coloridas
Os mascarados dançam
Sóbrios de esperança
Inocentes como uma criança

Na torre do castelo, dentro de um quarto iluminado
A princesa na janela balança o lenço para a lembrança do amado
E sussurra tristemente: “Esperarei por você, estarei com você”

Encerrados em suas moradias
Sofrem as sobras de humanos
Que nada mais podem fazer
A se prender às TVs
Que ironicamente, um dia, elegeram como guia

Isolada em uma casinha distante
A mãe com seu coração conflitante
Dá uma última olhada desencantada para o horizonte
E fecha a janela
E segue até a cama de seu filho
Disfarçando as lágrimas, dá-lhe
O último beijo de boa noite

E nos dias que se seguiram
As terras, os mares, os seres ruíram


Nenhum caminhante mais sobe sobre a poeira vermelha
Nenhum sonâmbulo mais perdido em seus pesadelos
Nenhum fantasma mais com o peso de suas eternas vigílias
Nenhum moribundo mais sofre a progressão de suas necroses

E nos dias que se seguiram
Os céus desabaram

17 de janeiro de 2009

Tragédia na sala de estar

E então, repentinamente, todos na sala se calaram ao perceberem a situação delicada (delicadíssima, viria um deles rememorar mais tarde). O silêncio evidentemente assustou os que estavam por fora do acontecimento.

O clima havia se tornado tenso. Um olhar sério, profundo e preocupado, foi desferido por Vinicius na direção de Tiago. Este o rebateu habilmente para Diego, que, em sua defesa, só pôde dar os ombros como quem pergunta “O que eu posso fazer?”.

Nos dois minutos e sete segundos seguintes, nada aconteceu. Mas quando Tiago percebeu que Luiz Felipe já estava começando a balançar involuntariamente as pernas (ele sempre fazia isso quando ficava muito nervoso), coube a ele, atuando num duplo papel simultâneo (o de anfitrião e, principalmente, de amigo), anunciar que a tragédia havia se dado, na esperança de que tomariam providências para reverter-lha tão breve fosse possível.

Levantou-se, pois, observou atentamente o semblante dos presentes (uns preocupados, outros alheios, e alguns tão ou mais nervosos que o de Luiz Felipe), e com uma voz firme, que não permitiria ser interrompida, proferiu em dois golpes diretos:

- Acabaram-se os cigarros. Esfriou o café.


16 de janeiro de 2009

Rosas douradas

Sentado sobre uma pedra, um cigarro no dedo, e os olhos no horizonte ensolarado.
Com você ao meu lado.

Às vezes eu penso
Que poderia ser piegas demais
Às vezes eu temo
Que poderia soar exagerado e coisas tais

Parar pra dizer o bem que seu sorriso me faz

Não sabia o que era
Ter uma mão para segurar
Nas noites frias, um abraço pra esquentar

Nem imaginava
O quão duro é sentir o tempo passar
Quando se espera alguém chegar

E quando meus dias estão ruins
Nos momentos difíceis de prosseguir
É lembrar sua imagem, sua expressão
Que me mantém, calmo, com os pés no chão

Por isso às vezes fico calado
Às vezes até mais do que queria
Receando como você reagiria
Se eu lhe confessasse: quero ser seu amado!

Agora, entretanto, é diferente
O medo que eu senti
Incertezas que na garganta prendi
Tudo isso foi embora de repente
E o que eu sei, enfim
É que, longe ou perto, você está em mim
Minhas noites solitárias chegaram ao fim

Amigos, amigos

1) Lembranças dos projetos para o futuro

Na imensa noite escura
No frescor do campo
Nós passamos o tempo lá fora

Agora ficou muito confuso, é difícil

Uma época tão distante, nada externo às nossas convicções
Nos atingia

Só eu e você
Ninguém mais interferia

Eu estava em paz

Eu sonhei com esse tempo
Para mim e para você
Era um tempo feliz

E hoje, as pressões incidem
E as preocupações existem

Perdidos no meio do tempo
Sem uma referência
Éramos a perfeição da existência

O tempo passou
Você se foi, e de mim, pouco restou
E eu me martirizo agora
Pensando: poderia ter evitado?

E hoje, as pressões ainda incidem
E as preocupações ainda existem

Sinto-me longe, impotente
E isso me consome
Quem vai te alertar dos perigos?

Eu sonhei com esse tempo
Quando não havia temor
Uma época feliz, tão longe do real obscuro

E agora, onde foi parar o amor?
Algum de nós seguiu nossos planos para o futuro?


2) Revivendo o passado

Em seu nascimento era belo
Belo como jamais poderia se imaginar

E tudo que fazíamos dava certo
Não havia um ponto de atrito, nenhum rasgo aberto

Perdíamos tempo falando sobre o que estaria pra chegar
Sobre o que faríamos
Onde estaríamos
E o que o tempo nos faria virar

Sinto que estou caindo num buraco
Mas hoje não encontro mais sua mão para me salvar

E se eu gritar socorro, vai adiantar?

Como era vivo aquele presente
Em que nenhum de nós
Em momento algum era ausente

Tudo tinha graça
A maior vontade era ver um sorriso no seu rosto
E agora, que morremos assim, de desgosto?

Sinto como percorrendo uma espiral sem fim
Mas a cada vez que posso olhar para trás
Vejo-o mais distante, mais longe de mim

Será tudo só um sonho ruim?


3) Encarando o presente

E, então, eu acordei.
E percebi que não havia adiantado dormir, pensando que o problema ia se resolver. Suas pegadas não mais acompanhavam meus pés.

E não posso dizer que não tentei. Tanto me esforcei, oh, tanto, que, enfim, chorei. Mas minhas lágrimas não puderam te salvar.

E agora, espero que caminhe nos campos do Paraíso.

Será que um dia vou parar de me culpar? Eu te puxei, agarrei. Mas no fundo, você não respondeu. Uma incógnita em seu interior, porque não quis me escutar?

Eu lembro, eu tive que gritar. Mas seus olhos profundos estavam fechados. Fundos, perdidos no ponto cego da sua inconsciência. Você ao menos me ouviu chamar? Desesperado, bati nas paredes, tentei te alcançar. E agora, o que devo fazer? Como prosseguirei sem você?

De lábios cerrados, e a face voltada para o chão, fiz uma trilha de lágrimas, enquanto carregava seu caixão. Oh meu Deus, então não existe compaixão? Ainda hoje ouço as palavras do reverendo, vejo os sinais da bênção, e, antes, seu corpo estirado, sua face sem expressão.

E agora, espero que caminhe nos campos do Paraíso.

O tempo passou, implacável. De mim e você, pouco restou. Mas é inevitável, olhar para trás e ainda ver a marca de seus passos, sentir sua presença. Devo parar com essa ilusão? Terei virado refém da minha própria imaginação? Queira Deus que não.

Longe de você, continuei a viver. Tento carregar comigo as boas lembranças, tento me lembrar apenas dos momentos felizes. E quando não consigo, irrompem as lágrimas. Infelizes. Talvez meu maior desejo fosse passar mais uma noite, só uma, em sua companhia.

Às vezes, no meio da madrugada, converso com você. Sei que não pode escutar, mas tenho poucos recursos. Por meio desse devaneio, tento me conformar. Por mais que eu tente, sei que a dor é forte, impossível de expressar.

Houve um tempo feliz, em que nós estávamos em paz.

Eu não estou em paz.

14 de janeiro de 2009

κήρυγμα (Kerygma)

I) Introdução

There is no great expression in this worn-out eyes.

II) Desapego
Correr, fugir, escapar.

Escapade now!

Ouvimos o sinal, distante, fatigante e tal…

Once more: escapede now! There is no other out!
Caminhar, rastejar, pular.

Deixará o dinheiro para o faxineiro, a cartola e a bola para os netos da senhora e o pão... será escondido no colchão.

Escapade! Caminhar, fugir, pular.

Prosseguir e não terminar.


III) Aluno errante
No horizonte, vejo o sol nascer, belo. Então, sou dominado por uma vontade, uma inquietude magnífica, de sair. Começo a percorrer o caminho que primeiro alcança meus pés, e o movimento de andar se torna involuntário.

Perguntar, sem ter quem responder.

Olhar, sem poder chamar alguém pra ver.

Pensar, ou pensar que pensa. Além.

Sentir, e não ter palavras para descrever.

Prender, mas não ter como trancar. Deixar escapar, sem ter como impedir.

Deixar-se dominar, sem querer ter forças para resistir. Esse é o caminho.

Falar e não parar, mesmo sem alguém para escutar.

Falar, falar até o outro os ouvidos tapar. Assim deve ser o caminho.

Saber, mas não ter alguém para ensinar.

Contar, sabendo que não se chegará ao fim.

Tomar, beber. Até o cálice esvaziar.

Gritar, saltar. Chutar, empoeirar.

Sentar-se no chão, cruzar as pernas e fazer círculos com a mão.

Chamar a atenção, mesmo sabendo que não te perceberão.


IV) Praça deserta
Ele caminhou até a praça deserta. Folhas secas cobriam o chão. Velhas árvores faziam uma leve sombra sobre o local. E havia um chafariz. Como ele amava brincar no chafariz.
De repente, um barco. De folhas velhas, não secas. Não mais secas. Folhas de jornal. E soprava com animação a distração, que já não era invenção.
Próximo ao chafariz, um banco de madeira velha, e que nem por isso deixara de se nobre, convidava-o a se sentar. Um breve diálogo, e o sábio centenário assento o convencera. Largou o barco. Deitado desconfortavelmente, dormiu.
Onde estava Anilor, a prima de infância, a prima de praça, de inquestionável decência? E reviveu momentos quase mortos pela memória. E o chafariz teve água de novo.
Acordou. O sol desapareceu, anoiteceu. O passeio havia acabado. Anoiteceu. Se ainda estivesse viva, Anilor já teria ido pra casa. Se ainda estivesse viva, sua mãe já teria acendido a brasa. Anoiteceu. E na escuridão do caminho, ele se perdeu.


V) Teorema da conspiração 2
[Parte 1]

Cavar, cavar, cavar.
Num profundo buraco vou me enterrar. Custarão a achar.
E quando for o dia, embarcarei na minha grande navegação de papelão.


[Parte 2]

Não, não, não. Agora é hora de ver com mais luz. De pensar como se produz, de trair quem te seduz.
Algo espera por mim, não sei se é ruim. Meus olhos arregalados, meus pêlos arrepiados. Algo vela por mim, será meu pai?, será minha alma, acorrentada pelos meus pecados ilegalmente defenestrados?


[Parte 3]

É uma noite tempestuosa, estou com medo. Tremo de medo, incontrolável sentimento que expulsa lágrimas de desespero de meus olhos cansados, arregalados. Estou escorado na parede úmida, na penumbra de minha masmorra mental.
Ali, atrás do aparador de meu falecido genitor, eu sinto. Não há mais pensamento, não há mais batimento. Vejo, reconheço. De trás do aparador, são os dedos do mal. E apontam para mim, e me chamam, e sussurram. “Estive esse tempo todo esperando por você, vem correr comigo no quintal.” Meu Deus, meu Deus, reconheço essa voz! É Anilor anunciando meu final.


11 de janeiro de 2009

Carta de amor

Hoje não dormi muito bem
A noite estava fria, a cama vazia
Observando o céu vermelho, distraído
Vi numa estrela distante o seu olhar refletido

Na manhã de Domingo despertei
Era uma manhã ensolarada
E, sutilmente, senti minha atmosfera descarregada
Fechei os olhos, inspirei

Faz uma semana de sua partida
E ao contrário daquele nublado dia de ferida
Meu espírito se eleva, como que
Em outra dimensão
Eu possa encontrar seu carinho, sua proteção

Caminham pelo meu pensamento
A saudade, o desejo
E então me livram do tormento
A lembrança do beijo
Se tornou meu alento

Minha maior alegria nesse dia ensolarado
Quando a solidão poderia me deixar desesperado
É lhe escrever essa carta, com a dedicação
De quem sente mais que paixão


10 de janeiro de 2009

Ingratidão

Ele caiu, mas rapidamente se pôs de pé
E prosseguiu sem se preocupar
Fingindo não se espantar

Ele resistiu a todos os apelos
E se mostrou indestrutível
Em seus olhares de desprezo
Ou simples falta de apreço

Ele sentiu que estava abaixo de seus pés o universo
E com uma força incomum
Sua determinação ao sucesso
Passou, derrubou
Um a um

Ele foi questionado
E respondeu sem se mostrar rogado
Para ele dedos apontaram
Críticas se montaram

Mas, e agora que, solitário, seu olhar se voltou para dentro?
E agora que a primeira lágrima caiu de seus olhos raivosos
Os mesmos que um dia, imperiosos
Dispararam fulminantes tiros de humilhação, condenação.
Ingratidão...

Em seus momentos difíceis
Ofereceram-lhe ajuda
Quiseram entrar na luta
Mas seus sentimentos eram irredutíveis

O que fazer agora
Quando a passagem do tempo se faz sentir
E já não é possível mascarar
O grande vazio

Das orientações ele caçoou
E um maço de conselhos pisoteou

E agora que você acorda no meio da noite
Desesperado após um pesadelo
E tudo o que tem a fazer é agarrar os joelhos?


E agora que você acorda no meio da noite
Escutando que estão forçando sua fechadura
E tudo o que tem a fazer é esconder o rosto com as cobertas?


E agora que passada toda uma vida
Sente a falta dos abraços
E na solidão da madrugada só tem sua montanha de dinheiro para lhe afagar a face cansada?


Vai me dizer o que vai fazer ou também vai me mandar pro inferno?

E agora que aterrorizado você acorda no meio da noite
Em sua grande casa vazia
E procura com a ponta dos dedos um retrato
De sua falecida mãe
Pra lhe proteger da agonia?


Ele cegamente seguiu sua trilha de valores
E para isso empurrou pra fora do caminho
Seus amigos e amores

Então me diga

E agora que você acorda no meio da noite
E sente que está tendo um enfarte
Vai ligar para os acionistas te levarem ao hospital?


Não entendeu o que a vida tinha a ensinar
Todos precisam de alguém para ser seu lar


5 de janeiro de 2009

Todos a bordo da Navegante do Cerrado!


Sol, estrada
Sol

E foi dada, assim por dizer, a largada
E era de manhazinha, ele já estava calçando as botas
Um pouco usadas, mas ‘inda suficientemente inteiras
Para o dia

E embarcaram todos na navegante do cerrado
Cada um com seu remo de pau torcido
Sistematicamente ajustado
E o gênio belicoso
De quem atravessaria um campo devastado

Sol
Mas não o suficiente para fazer as cabeças suarem
E tornar queimados os couros cabeludos

Estrada
Comprida, larga e instigante
Mas não o suficiente para fazer da nau coisa estressante

Era um destino reservado
Nada a ser descartado
Desacatado

“É hora de deixar para trás toda essa fazenda de fuxicos e as plantações de café sem tabaco e cana-de-açúcar sem etanol!”
Proclamou em alto e bom som o espanhol
E todos respondiam “Sim, senhor Anzol”
Que de fato pescara peixes para o almoço
E reservara uns pra janta do moço

E no meio das árvores (re)torcidas
Debaixo da poeira em turbilhão
A navegacional da savana
Desaparecia
Deixando atrás
A Mariana
E outros órfãos de atenção
E as conspirações mal-sucedidas

Sol
Estrada
Sol

4 de janeiro de 2009

Despedida

Correndo pelas marcações das rodovias
Derramando lágrimas por entre os pés
Juntando-as às águas frias
Era úmido seu semblante

Não quisera acreditar
Que já passara da hora de deitar
Não tendo mais distrações
Restou fumar
Até o pulmão se acabar
Amarelos os dedos
Arrancados os dentes

Deterioração

Era uma perdição
Tal ilusão
Transpor o espaço
Sobrevoando estradas
Em procura de um lugar comum

Ele prometera não mais se apaixonar
E viu suas promessas caírem
E se ajoelhar diante
Dele
Ele

Competia a ele se apaziguar
Pensou em se embebedar
Mas resolveu esperar
Tentar

Tentou não chorar
Tentou se recuperar
Velar a ausência
Sentir o vazio
Com uma fraca chama de esperança no fundo do coração

Envolvido pela solidão
Abraçado pela escuridão
Taciturna sensação
De desamparo, desolação

Viu-se abraçado aos próprios joelhos
No canto da parede
Cercado pelos seus desesperos

Esticou o braço até tocar
No seu poderoso devaneio
O ponto certeiro
E sentiu-se flutuar

E durou segundos aquele imaginar
Como se de repente pudesse atravessar
Pusesse quilômetros os pneus a rodar
E sentiu que fosse chegar
Ia alcançar

Um toque dos lábios
Sentir o roçar das palmas das mãos
E a eternidade se prendeu no tempo do abraço



3 de janeiro de 2009

Teorema da conspiração


[Parte 1]

Foi dada a ignição
Aliás, desde a primeira aparição

Avistou-se a constelação
E clamaram pela redenção


[Parte 2]

Ó pastos distantes
Ó lapsos revoltantes
Descarreguem em mim
A depressão da miséria

Inconcebível como a viagem
Apavorante como a passagem

Corra, corra
Fuja do seu destino

Sua maldição
É quase uma predisposição

Corre pelos caminhos negros da floresta
Brancos os chás de hortaliças de pressa
Que presta
Que resta


[Parte 3]

Foi dada a ignição
Aliás, partiu-se com a humilhação
Como um trovão

Fuga.