20 de abril de 2015

Aurora do Tempo

(Cigarro queimando na janela mostra como estou ausente, embora sentado em almofadas.)

Não é a cidade. Sou eu mesmo. Estar em janela na escuridão, observando os parcos carros que lá debaixo passam acelerados, num jogo de luzes vermelhas e amarelas, pisca pisca urbano, virará meu passatempo no decorrer dos anos. 

Sustentando um espírito leve à sombra dos desejos carnais, dos desejos vis e adolescentes, vi tudo se tornar pesaroso e desencantado demais. Como uma ovelhinha que se cobre com piche e se impregna dali para o fim.

Depois do bolso cheio, a calma de um futuro tranquilo se esparrama de tal forma que o sentido se esvai na pressa de saber E agora? E agora, como será colher estes frutos pelo findar dos anos, sentado nessa poltroninha de vime enquanto carros passam lá abaixo?

Não temos mais a idade deles, James, não somos mais atraentes como eles. Desejamos a juventude como uma fagocitose para nossa alma envelhecida, queremos sentir pulsar sobre nós, sentir no tato sobre a jugular, na quentura da língua, a energia viva que entumesce e deixa jovem, liso, sedoso.

Para os solitários como nós, todo o vinho de uma adega particular será pouco. Porque por mais que se revire, o avesso permite ainda mais uma torcida e nunca se atinge o âmago da dor, que permanece espessa e esfumaçada, concomitantemente, nos golpeando com sutileza.

Tenho medo do câncer e de doenças terminais, James. Ainda assim, fumo, fumo e celebro a vida. Mas tenho a certeza de que a consciência nos tornou descrentes, embora ainda injetemos nossa dose de tranquilizante e nos alienemos de quando em quando. Minhas costas doem, acho que é a cadeira. Faça lá mais um café, por favor.