7 de julho de 2014

Juaum

Juaum se debruça sobre as cobertas. É moleque na vida real e mlk na dúbia vida virtual. Juaum dezessete anos, pele sem pelo, tom de canela que foi ao forno para dourar. Juaum boca carnuda, penugem ao invés de bigode, que cultiva com orgulho, Juaum marginal não marginalizado, Juaum levado e frágil, brigão e retraído, feminino e masculino.

Na piscina, corpo esbelto com curvas suaves, é um torpedo humano, olhos levemente puxados e nariz esculpido, orelhas comportadas, mas o olhar é pronunciado, é prenuncia de perigo, quem mexe com Juaum mexe com a força criadora, o braço da Justiça, que é vendada, mas com lenço, e enxerga por cima dos panos.

Juaum estudioso e preguiçoso, queria subir na vida mas tinha delírio nas escadas, Midas moderno, tinha desdém do que não fosse seu e protegia suas posses como que de ouro fossem. Juaum lolito, Juaum esperto, precoce e ardiloso. Marrento e angelical, uma miragem em meio a um oceano salgado, miragem tropical, com marca de sunga no corpo.

Um dia Juaum amou. Despiu-se de suas vaidades e projetou-se num futuro que não era seu. Deixou de lado a falsa humildade e assumiu o olhar perverso que era sua alma sem cortinas. Roupa cinturada, braços musculosos, gestos delicados, passos de gato, Juaum não pisa em falso e brinca com suas vítimas, joga-as para cima e dá leves patadas, cravando-lhes sutilmente as garras fulminantes.

Juaum manso e arrebatador, sincero e covarde, Juaum pleno. Possessivo e ciumento, protetor de sua cria, que também era seu tutor. Juaum que encantava pela beleza e paralisava como Medusa, Juaum canto de sereia e espinhos de baiacu. Juaum tóxico e doce, armadilha armada e certeira. Juaum quase absoluto, porque o quase sinaliza que no próximo estágio está a perfeição destilada, em perfume e encanto.

Juaum bate, Juaum arranha o carro, se humilha em plena rodovia, Juaum quer ser amado e não pode admitir ser trocado. Juaum quer atenção, Juaum merece dedicação, quem não quer amar Juaum? Juaum troféu exposto na vitrine da boate, Juaum pau grosso, Juaum lábios suaves. Você não pode não querer Juaum.

Juaum apaixonado, lâmina debaixo das mãos, Juaum que faz sangrar e berra, Juaum que se atira no chão, Juaum bebê desprotegido, Juaum que precisa de sua mão, Juaum, encanto, Juaum. Por que você teria medo de Juaum?

Juaum jantar romântico, Juaum estilhaços de louça pelos ares, Juaum rastejando-se atrás de seus pés, Juaum precisa de seu carinho para se manter são, seu olhar fixo é o motivo da continuidade da vida de Juaum. Não percebes que assim pões em desespero o próprio Juaum, que pra você vive e arrasta-se por todas as esquinas? Juaum e você em fuga, Juaum perseguição. Não pode se livrar assim de Juaum.

Juaum fogoso e bom marido, Juaum perseverante e bunda empinada, Juaum povoa seus sonhos e lhe faz gritar no meio da noite, Juaum pode estar em todos os lugares, por que não estaria em sua cama agora Juaum? Se Juaum quer, Juaum tem de ter, Juaum deseja, Juaum exige, Juaum está cobrando sua contrapartida, por que não respirar por Juaum?

Juaum corta seus amigos, ninguém precisa de ninguém além de Juaum, Juaum modesto, Juaum beira a perfeição. Juaum te avisou, não se deve brincar com Juaum. Juaum criança indefesa, Juaum adolescente problemático, Juaum corpo de consumo de todos os sonhadores. Juaum rosto em pranto, Juaum gritos abafados, Juaum sexo cavalar, Juaum pés bem cuidados. Você não vai escapar da obsessão de Juaum.


3 de julho de 2014

Confissão em guardanapo



A cidade nos oprime. Os sons nos reprimem. E ciclicamente, vamos nos estourando em uma imensa nuvem de sentimentos, cada qual fora de seu lugar. São milhares de janelas, luzes, apartamentos. Olhos em vigia, de uma entidade que jamais dorme. E vivemos escondidos nas esquinas, longe dos holofotes. Somos diminutos, frente à imensa solidão de uma multidão de desconhecidos. Mas nosso maior desconhecido está dentro de nós. Os limites, as conformações, os vacilos: andamos na beira. E vamos nos implodindo em um tufão de paranoias, cada qual reflexo de uma lembrança.