3 de dezembro de 2013

Sobre a garganta e adjacências

"Quem ouviu o último tiro?
O último grito
O último olhar perdido
O último sorriso desencontrado
Quem escolheu o último acusado?"


Estralo os dedos porque quero, e me embaso de ocorrências fúteis nas últimas negociações. Tenho um gosto tão podre como o dedo e não me esforço para deixá-lo transparecer. Há uma pedra entalada na garganta e empurro com o dedo, forçando-a para baixo com cerveja e outras coisas amargas. Nada de doçuras por hoje.

A falta de talento me inebria, a falta de tato me enoja, e poucas coisas me constroem. Chega de dedos por hoje. Chega de doçuras, de melaços e de rebolados. Esse desespero desencontrado com meu estado pacífico de espírito bate na face como um tapa de pura sacanagem. Coisa baixa, de linha perversa. Somos todos bons animais, adestrados para sugar o melhor. Nada de doçuras por hoje.

Não preciso de um amor, mas de um admirador. Não quero compaixão, quero plateia. E que saiba aplaudir, que saiba bajular. Pago, se for preciso. Não gosto de observar que estou sendo observado. Mas gosto que me observem. Enquanto desfila o corpo pululante entre as folhas secas, sem graça bem como sem graciosidade, enquanto saltita as calçadas, quero holofotes virados para mim.

Não me importo de ser asqueroso. O asco me comove, e como pedra, me deixo rolar e encardir. Faz parte do meu cotidiano. Não me importa espantar, e continua sendo uma jogada divertida, deixar bocas abertas pela passagem do movimento deselegante. Despojado e despido. Mas carrega-se em punho a fumaça, guardiã fiel de todas as impunidades.

Há um escarro cremoso e sedoso preso na garganta, e por querer retê-lo é que fecho a boca. Calado, armado e pronto para cuspir. Olhos faiscantes, parecem belos? É o olhar inquieto de um porco encurralado, que a tudo observa, e mais urra que pensa. Se o olhar reconhece o perigo, o coração se acende e apaga, como um curto-circuito, é falha, é frio, é bonito de se ver. Mãos frias, coração quente, e é por isso que meu tato é fumegante, surpreendente. Há alguma coisa de negação que, no entanto, é uma súplica bem disfarçada.

Quem ouviu o último olhar perdido, o último sorriso desencontrado? Sem destinatário, é jogado a esmo, esforçoso por parecer natural e não planejado, pois tem-se medo da vergonha de ser jogado ao vácuo. Amarelo o sorriso, branca a alma, rugosa a região dos olhos. Dedos finos cor de carne desejosos de percorrer algum corpo jovial qualquer, repugnantes ao primeiro contato, amedrontadores ao segundo. Nada de dedos por hoje. O pior não será o asco enquanto para além dele houver a invisibilidade.


Tantas ocorrências fúteis e esse esforço por parecer desesperado com a surpresa banal. A preocupação dos outros em se padronizar e conferir valor a detalhes me faz cuspir aquele escarro sem nem mesmo planejar fazê-lo. Chega de doçuras por hoje.



Um comentário:

Anônimo disse...

Eita! Depois de tanta amargura eu teria colocado um limão velho, partido ao meio, para lembrar um pouquinho o amargo do texto.
Saudades,

M.