"Quem ouviu o último
tiro?
O último grito
O último olhar perdido
O último sorriso
desencontrado
Quem escolheu o último
acusado?"
Estralo os dedos porque
quero, e me embaso de ocorrências fúteis nas últimas negociações.
Tenho um gosto tão podre como o dedo e não me esforço para
deixá-lo transparecer. Há uma pedra entalada na garganta e empurro
com o dedo, forçando-a para baixo com cerveja e outras coisas
amargas. Nada de doçuras por hoje.
A falta de talento me
inebria, a falta de tato me enoja, e poucas coisas me constroem.
Chega de dedos por hoje. Chega de doçuras, de melaços e de
rebolados. Esse desespero desencontrado com meu estado pacífico de
espírito bate na face como um tapa de pura sacanagem. Coisa baixa,
de linha perversa. Somos todos bons animais, adestrados para sugar o
melhor. Nada de doçuras por hoje.
Não preciso de um
amor, mas de um admirador. Não quero compaixão, quero plateia. E
que saiba aplaudir, que saiba bajular. Pago, se for preciso. Não
gosto de observar que estou sendo observado. Mas gosto que me
observem. Enquanto desfila o corpo pululante entre as folhas secas,
sem graça bem como sem graciosidade, enquanto saltita as calçadas,
quero holofotes virados para mim.
Não me importo de ser
asqueroso. O asco me comove, e como pedra, me deixo rolar e encardir.
Faz parte do meu cotidiano. Não me importa espantar, e continua
sendo uma jogada divertida, deixar bocas abertas pela passagem do
movimento deselegante. Despojado e despido. Mas carrega-se em punho a
fumaça, guardiã fiel de todas as impunidades.
Há um escarro cremoso
e sedoso preso na garganta, e por querer retê-lo é que fecho a boca.
Calado, armado e pronto para cuspir. Olhos faiscantes, parecem belos?
É o olhar inquieto de um porco encurralado, que a tudo observa, e
mais urra que pensa. Se o olhar reconhece o perigo, o coração se
acende e apaga, como um curto-circuito, é falha, é frio, é bonito
de se ver. Mãos frias, coração quente, e é por isso que meu tato
é fumegante, surpreendente. Há alguma coisa de negação que, no
entanto, é uma súplica bem disfarçada.
Quem ouviu o último
olhar perdido, o último sorriso desencontrado? Sem destinatário, é
jogado a esmo, esforçoso por parecer natural e não planejado, pois
tem-se medo da vergonha de ser jogado ao vácuo. Amarelo o sorriso,
branca a alma, rugosa a região dos olhos. Dedos finos cor de carne
desejosos de percorrer algum corpo jovial qualquer, repugnantes ao
primeiro contato, amedrontadores ao segundo. Nada de dedos por hoje.
O pior não será o asco enquanto para além dele houver a
invisibilidade.
Tantas ocorrências
fúteis e esse esforço por parecer desesperado com a surpresa banal.
A preocupação dos outros em se padronizar e conferir valor a
detalhes me faz cuspir aquele escarro sem nem mesmo planejar fazê-lo.
Chega de doçuras por hoje.