7 de dezembro de 2011

Alpendre

"Ecos vieram do céu ríspido, e nas noites trovejantes me visita meu cavaleiro de armadura prateada."


Noite fria. Na soleira da porta, luz ambiente. Mas no meu alpendre de cerâmica de tijolinhos vermelho-sangue um velho senta-se em uma cadeira sem balanço. Coisas estranhas acontecem. E a música gira no disco rodante, e a fumaça que o ar respira me põe em movimento.

O relógio da parede branca tem seus ponteiros apontados para minha sanidade abalada. Encaram-me, cospem em meu rosto esvaziado. Eu, pálido, a rastejar com os cobertores. Estamos embaixo da mesa, estamos sobre o tampo do piano sem afinação. (Minha sala me julga, meus móveis me desobedecem.)

Mas no aflorar da noite a janela abriu-se em uma folha só, deixando outra parte claramente à espreita de um inimigo - que não existe fora das minhas inspirações em devaneio. Tolo sou, mas deixo estar assim mesmo. Sentado na mesma cadeira, o velho agora balança, e sobre suas pernas há um tabuleiro com pães quentes e emassados no queijo. O hálito me sorve, e enquanto odor eu percorro as dimensões todas.

Noite fria. Mas, trovejante, o céu despeja sobre as pontas dos meus pés uma ira acumulada, uma ira que também é minha, e condensa em si os desmandos humanos. Porque a ingratidão nos trouxe até aqui, e – antes de nada além disso – somos todos insinceros conosco mesmos. Ainda gira sobre a canção o disco de carnaúba, estala como em mim cada marca de um tempo muito longínquo, desde a concepção de tudo o que agora violentamente é derramado de cima.

Mas minhas mãos são frias e suas veias ressaltadas deixam claras as marcas do tempo e dos dissabores. O relógio da parede branca tem seus ponteiros apontados para números que, antes de toda essa insanidade, não eram nada além que marcos de contagem. Mas hoje, passadas as eras e concretizadas as ideias da desarmonia lógica – que se pensam, pelo contrário, lógicas demais -, tais símbolos põe-se antes de mim, ante minha vontade e ante minha própria liberdade.

No espaço temporal de uma noite, que aqui promovo vigorosamente que seja intenso a ponto de tornar-se o oposto disso, os braços do velho descansam sobre os da cadeira, e a cada ida e volta desta última uma vida terá passado.

Um comentário:

Veriana Ribeiro disse...

essas conversas na varanda rendem, hein. ja começa a trancar as porta para dão sujar. rsrsrs =)