19 de setembro de 2012

Eu, vinte e três


Sem inspiração, acendeu um cigarro. Acendeu por gostar da fumaça, não por esperar vir nela um pingo de ideia, um insight. Percorreu lentamente as paredes do quarto. Mirou no velho cinto de couro pendurado, que, dotado de fala fosse, diria Não aguento mais ficar aqui, pendurado pelo pescoço a ver o que ocorre dentro deste guarda-roupa, meses a fio. Tinha muitos cintos, ponderou, mas a verdade é que pouco os usava depois que avivara a cintura com cinco quilos a mais desde o início do ano. Deu pouca importância.

Havia há pouco feito uma pequena mudança na geografia dos móveis, precisava de uma mesa para sentar e por a cabeça a estudar um conteúdo diverso, prova à vista que tinha, e o tempo não era lá muito. Também, gostava de estudar assim, na pressão. Caso lesse com muita antecedência, acabava o conteúdo por fugir daquela cabeça que, já antes dos vinte e cinco, apresentava calvície mais ou menos avançada. Uma música tocava, música que combinava com a fumaça que passeava, livre, sobre o teclado.

Considerava fugir daquilo o mais rápido, das pressões patriarcais, da cidade já muito desbastada por ele, das mesmas faces e ruas. Pudesse ser vivida a vida assim, a cada dois anos mudando de cidade e de pessoas, mas sempre construindo amizades, deixando rastros que pudessem ser seguidos e saudade no peito, dele e dos outros. Assim que devia ser. Outras construções deviam vir, concomitantemente, pois ele se sentia inútil ao pensar que seu ponto de vista, aliado aos estudos que já fizera e à vontade de conhecer e fazer conhecer não resultassem em nada que fosse proveitoso, principalmente aos outros, portadores de menos oportunidades que ele no percurso já trilhado da existência.

Ainda sem inspiração, de cigarro já amassado no cinzeiro, resolveu que amanhã começaria a colocar as apostilas de tal prova na cabeça, custasse o que custasse. E deu-se por satisfeito por tudo que havia feito até o dia presente. Aguardassem os outros, ele seria grande ainda, mesmo que mantendo-se pequeno. E nesse embalo, adormeceu.


Um comentário:

Mairex disse...

Lindo, o final já vou colocar no meu face!