16 de novembro de 2011

Sed ad vitam aeternam

"Olho nos olhos, mas ali só vejo nulidade. Como se tivessem sido tragadas para dentro suas emoções. Presas, afogando-se em um redemoinho fora de alcance, ele engole a si próprio sem que possa – ele ou eu – fazer alguma coisa."



Despovoado a princípio, em um piscar de olhos logo habitado, em meu chão eu me vi. Flutuava sobre todos os outros e pela minha frente uma imensidão rarefeita se fazia. E não havia onde me sentar, e não havia porque me deitar. E meu amor estava longe, e meus inimigos já não mais me alcançavam.

Eu dei passadas longas embora não soubesse muito bem onde pisava, eu cuidei para não cair antes de perceber que fizesse o que quisesse dali não iria conseguir passar. No meu novo chão não havia poeira, translúcido piso feito de mística que até então eu ignorava. Deslizava contrariando o atrito de Newton.

Neste chão que não era de cerâmica ou granito pisavam muitas outras pessoas. Eu abaixava meu chapéu quando elas passavam, mas todas eram muito silenciosas. Quando tentei dizer algo percebi que também eu não conseguia enunciar som algum e no lugar, como um soluço repentino, cantei algum louvor ao senhor. Que eu não sabia bem quem era, mas pela nova consciência que haviam me implantado eu percebia que seria o prefeito do lugar.

Sentado como se no meu próprio credo de estar ali – pois não via em outro lugar sustentação parecida, eu parei para pensar como estava longe de casa. Sentia uma saudade benigna, como recordações de amigos que se reúnem para falar de tempos passados que, contudo, ainda podem ser revividos. E gostaria de dividir isso com alguém, embora as pessoas ali só falassem cantando e sempre para o dono do lugar. Cantavam como na missa do padre Joaquim, eu me lembrei depois.

Quando me quedei enfurecido com toda essa calmaria – pois eu não podia comer já que não sentia fome, não podia bradar já que me tinham acalmado a voz, pois eu não precisava me agasalhar onde a temperatura era sempre agradável –, cai de punhos cerrados no meu novo chão. Esmurrei aquela estrutura, provoquei um abalo sísmico, enlouqueci-me. Se Ismália atirou-se da torre, queria eu me jogar dali de cima para ao menos sentir um pouco de vida, que era o que menos tinham essas tantas pessoas estatizadas.

Mas naquele meu novo chão – onde não havia como temer já que não existia perigo e onde eu não conseguia, por mais que quisesse, causar desordem entre aqueles semelhantes, as estruturas foram feitas para não serem rompidas. E no broche da camisa branca que eu havia ganho quando cheguei estava escrito Sed ad vitam aeternam. Entendi que tinha ganho o grande presente por uma vida de bons modos.

E era no meu novo chão, onde não alcançavam as serpentes e cujas aparências só variavam da matiz azul para a junção de todas as demais cores, onde não havia vícios para me condicionar e ciência por se fazer, já que não havia problemas ou mistérios, que eu estava destinado a passar o resto de meus dias que não teriam resto.

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