31 de agosto de 2011

Eu e a consciência superlativa

Por baixo das escadas, eu. Travesso. Desesperado, segurando a tesoura com as pontas dos dedos. Espiando sua passagem, avesso a todo o sentimento de amor, repelindo o desejo acumulado...

Por baixo do cobertor, uma luz. Eu, com pensamentos fluorescentes, ideias que não deviam ter saído do plano sináptico, aludindo a uma dolorosa tortura. Somente eu em um delírio de autossuficiência eterno. Retirem-me daqui em vestimentas de força.

Assim vai caminhando meu tempo. Assim é cumprida minha sentença. Por baixo da escuridão, eu. Dentro do guarda-roupa de mogno, são meus os bufares de ciúmes. A contagem dos passos, a invisibilidade progressiva. Mas te acompanho. Meço, apalpo, beijo. Ainda que não perceba, percorro seu corpo com minha língua áspera. Profundo, intenso, sonoro. Eu.

Nem uma sombra, nem um tênue fio prateado a mais. Eu. Absoluto em minha consciência de ser, expansivo, retrátil e volátil. Nas mais variadas formas, nas mais discretas frestas. Por debaixo desta capa de felicidade, eu, disfarçado. Contraio-me, evito o riso indevido, preocupo-me com a passada em falso. Eu, eu e minha adoentada concepção de existir. Haverá alguém a notar toda essa perturbação no ar ou não passo de uma ordem elétrica desalojada em meio ao mar de cabos bem conectados? A sinapse revoltosa. Eu? Hão de caçar-me, de impedir nosso momento sublime de gozo?

Escondo-me. Debaixo daquela velha cúpula de abajur sou eu, rodando, girando. Tragando com imensurável dor a solidão intencionalmente adquirida.
Vejo, analiso. Com a íris avermelhada sou eu, observando qual o rumo tomado por seus olhos fixados na fotografia. Queimo(-me), rio para esse Eu imaginário que sempre me dá razão.

No final, eu e essa grande parafernália mental, febris, dançamos solitariamente em meio à sala vazia, sobre o tapete vermelho. Aos olhos dos terceiros, eu. Apenas.



Um comentário:

Anônimo disse...

Vou ter que colocar meu chip correndo pra falar com ela antes que se mate.
Li este texto e me lembrei do Golon (Smeago), do Senhor dos Anéis.
Lindo texto, rapaz. Beijos mil!
M.