2 de fevereiro de 2009

Crônica de um contrabandista amador

[por William U. Gebrim]

Era mês de setembro de 1990. Meu pai, Esper Gebrim (um turco que achava que era esperto), e eu estávamos em Manaus, conhecida por sua Zona Franca. Foi a única zona em que meu pai me levou, apesar dos meus protestos para conhecer outras...

Fomos até lá comprar um motor de popa e alguns aparelhos de vídeo-cassete. O motor de popa era para ir pescar no rio Araguaia, e os vídeos-cassete eram pra vender e faturar o preço das passagens de avião e até um dinheirinho extra.

Já estávamos lá há dois dias, procurando os melhores preços e ofertas, e o calor era infernal, infernal mesmo, parecia a sucursal do inferno na Terra. No último dia de viajem o termômetro marcou 42º C, e na sombra 35º C.

O vôo que nos traria de volta até Brasília sairia às 03:00 AM do dia 15, mas como meu pai era um turco muito turco, deixamos o hotel às 11:59 AM do dia 14, assim não pagaríamos mais uma diária.

Então, depois do almoço, fomos às compras de verdade – até aquele momento não havíamos comprado nada, apenas pesquisado os preços. Deixamos nossa bagagem em uma loja de um patrício do meu pai, onde só vendiam eletrônicos e onde compramos cinco vídeos-cassete.

Compramos o tão sonhado motor de popa depois de uma peregrinação à Meca, ou quase isto, pois rodamos por Manaus mais que peregrino roda a Pedra Negra em Meca.
Quando já eram 06:00 PM, meu pai desapareceu, e só o reencontrei às 08:00 PM para irmos jantar – jantar é ironia, turco em viajem de “negócios” não janta, come pastel frio feito a mais de 12 horas com copo d’água...

Ao perguntar aonde ele tinha ido, pois desapareceu por duas horas, ele desconversou, e não explicou o pacote embrulhado que trazia sob os braços.

Após a ironia do jantar, fomos para o aeroporto aguardar o embarque, mas foi muito estranho quando meu pai foi até a sua mala e seguiu com ela até o banheiro. Quando saiu de lá, estava vestido de paletó, o que era inimaginável naquele calor de quase 30º C às 08:00 PM.

Interpelei meu pai acerca daquela inacreditável vestimenta talar que usava, e ele quase me desancando disse para eu deixa-lo em paz! Deixei!

Quando fomos entrar na sala de embarque, meu pai manteve no rosto uma confiança séria e inabalável, o que era estranho, pois não havia nada que nos impedisse de carregar nossas compras, estavam dentro do valor da cota de importação.

No momento de passar pela alfândega, quando apertaríamos o botão verde ou vermelho – verde seguia em frente com a muamba e embarcava, vermelho, os agentes federais revistariam nossas bagagens e apreenderiam nossas mercadorias que estivessem irregulares – eu passei primeiro com os aparelhos de vídeo, e o botão acendeu vermelho, e fui revistado, ou melhor, a minha muamba e minha bagagem. Escapei ileso com mercadorias dentro do valor da cota de importação.

Quando meu pai apertou o botão – empurrando uma caixa imensa com um motor de popa, acendeu o botão verde e meu pai seguiu como um cavaleiro mouro que abatera os cristãos invasores, vestido em seu paletó cinza.

Naquele momento, uma coisa inacreditável aconteceu. Vários relógios digitais – daqueles que surgiram na década de noventa, com alarmes de hora em hora ou programáveis para despertar em determinado horário – vários mesmo, pois eram uns vinte, começaram a tocar várias músicas... dentro dos bolsos do “paletó” do meu pai! Como não estavam sincronizados, quando um parava de tocar outro começava.

A cena hilária de meu pai tentando segurar os bolsos do paletó foi assistida incrédula por cinco agentes da alfândega e por mim que não sabia o que fazer: se corria, se ficava, ou se ria até não agüentar mais.

Meu pai foi conduzido para a revista e teve que mostrar os relógios, mas o turco esperto só mostrou os dos bolsos internos do paletó. Quando acabou de retirar aqueles e afirmar que eram somente aqueles, os relógios dos bolsos externos do paletó começaram a tocar... e aí aconteceu tudo de novo.

Aquele monte de relógios contrabandeados por sorte não foram apreendidos, nem meu pai. Os agentes da alfândega se riam tanto que, disseram, não acreditavam no que viram e que a história era melhor para ser contada do que detida por contrabando.

E assim fomos liberados. Meu pai, já dentro do avião, ficou pensativo por um longo tempo, e arrematou: da próxima vez vou tirar a bateria dos relógios...

Um comentário:

Mairex disse...

AFff!!!! Se isso fosse numa alfândega de fora...