5 de outubro de 2011

Hoje, no meu mundo particular

"Acordei, pus o cigarro de lado, acendi uma tocha. Hoje, no meu mundo particular, abri as janelas pelo início da manhã."



Saí descamisado pela rua sem carros, pela avenida abandonada. No meu mundo particular, onde o sol aparece escurecido, eclipsado pela poluição das mentes descrentes, essa gente que tenta disseminar vaidades de não promiscuidade, valores de fraternidade. Esses valores não me cabem mais.

Pela vida abandonada, onde saí sem as bermudas da sorte. Hoje acordei e abri as janelas de meu apartamento, sobreloja da padaria de ladrilhos amarelados e balcões de fórmica esturricada. Destorci a torneira, mas a água muito suja só me tornou mais imundo. Eu, imerso nessa realidade aflita, esse banho jocoso que derrubam sobre meus sonhos infantis.

E meus tênis estavam com os cadarços emaranhados, não pude calçar e caçar tão rápido quanto antes desejara. O desespero me acompanha, meu livro de cabeceira, meus ensinamentos de uma vida inteira. Desestressar, rolar compulsivamente sobre um colchão apodrecido, minhas cobertas emboladas, meu travesseiro manchado. Meu cigarro aceso sobre o cinzeiro preto do criado-mudo.

Mudo não só o criado de madeira, cheio dos carunchos e dos pós. Mudos também estamos todos, impactados, decepcionados, apressados para ir aos banheiros da vida, aliviar a tensão, desarmar este gatilho. No meu mundo particular, onde a chuva é ácida e o café não tem açúcar. Melhor correr, melhor correr antes que cheguem também aqui os rumores de chuva, de verdes plantações, de campestres alegrados. Essas besteiras que se dizem por aí e ali. Fruto da imaginação tenra dos infantes ignorantes.

Hoje acordei, pus o cigarro de lado, limpei o suor com a toalha rubra. No meu mundo particular abri as janelas no início da manhã, deixei que a luz fraca penetrasse pelo vão desvidrado em minha parede. Peguei os velhos livros, limpos, que continham os ensinamentos para a vida, as palavras da religião, as ordens de esperança. Adorável ficção de uma educação inteira. Não aqui, não no meu mundo particular. Onde impera a realidade amarga, onde os dias são vividos como se deve fazer.

Por alguns momentos, por alguns instantes. Ordenar o pensamento, abrir a agenda, avaliar as tarefas, cobrar desempenho. Não há lugar para os incompetentes, não há espaço para os sonhadores, esses delinquentes da distorção. No meu mundo particular, onde a segmentação impera e somos dadivados com o que é de nosso merecimento.

Acordei, pus as esperanças de lado. Abri as janelas pelo início da manhã, fumei dois cigarros. Fechei as janelas, tranquei as portas, desliguei o oxigenador, fui trabalhar. Hoje, no meu mundo particular.

2 comentários:

Maycon Conká disse...

Hoje no seu mundo particular, houve uma reflexão do quão nossos mundos, particulares e públicos são identicos! Bjks

jpf.Ernandes disse...

Lindo texto, parabéns!