31 de outubro de 2011

Aqui, onde as noites são tormento

"Maria, Maria! Os descuidados abriram os portões de abaixo e deixaram a sombra passar."


I
Perdido em meio aos corredores escuros da miséria. Enquanto um rato arrasta minha calça, e eu procuro com dedos nas gretas a alma mais próxima. Perdido eu, tão ou mais que os demônios que me perseguem. Sino negro reza nas minhas costas, seu toque longo me dispersa da minha incessante busca. Alguém vem atrás de mim.

Metido eu nisso, mais que a mãe, mais que os miserentos irmãos da minha vida passada, metido nisso mais que aqueles a quem tentei culpar pelo fracasso. Vítima da minha macumba feita, eu agora acordo nessa terra escura de areia sem fim e placas rajadas de pedra fria. Onde o sol não aparece mais, o céu acinzentado indica constantemente três horas da tarde. Onde o castigo não acaba.


II
Abriram os portões e deixaram a besta entrar. Agora ela brinca com meu filho enquanto eu saio para trabalhar. Feliz, risonho, em perigo ele está. Ela o diverte, ela lhe alimenta, ela o maleficia. Feliz, risonho, em perigo ele está. Minha casa assombrada.

Na pequena claraboia do banheiro, mãos pontudas irrompem à meia-noite e trinta e dois. Onde as cortinas se fecham sozinhas e as madeiras rangem. A besta escondida me perturba todas as madrugadas com sua mania de ecoar seus cânticos pelos cômodos. Minha casa assombrada, meus pés presos por correntes. Vítima da minha macumba feita, fui derrubado.

Aqui, no meio do nada, onde as noites são tormento e sono não chega. Amaldiçoado para nunca dormir e me manter vidrado com as sombras que me arrastam para o buraco. No centro da sala, minha cova cavada por seres de dedos longilíneos e unhas curtas. Túnicas pretas cobrem meus visitantes indesejáveis, mas também é preto o cenário da janela. Onde o sol não aparece mais, o céu indica como que três horas daquela tarde.

Dor inerente aos meus credos, castigado eu por ter acreditado na palavra proferida pelo terceiro. Metido eu nisso, culpado pelo fracasso. Alguém está atrás de mim.


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