6 de abril de 2009

Resquícios do eco

[Echoes. Olga Spiegel, 1972]


Não, mais que uma noite frente a televisão, com os olhos paralisados pela rebelião de cores, pelo leilão de atenção...

Numa multidão inteira eu estou completamente só, perdido. E por perdido, estou cego, estou tateando desesperadamente. O que?

Sim, sim. Eu caí no poço profundo, de onde eu só escuto. Há vozes que me dizem tantas coisas, as direções infinitas me prendem sem saber aonde devo ir. Acima da minha cabeça há uma luz acesa, longe de mim, longe de mim, um finito sem fim, não consigo alcançá-la.

Estranhos passam ao meu lado, e me olham com um olhar tristemente natural. Eu procuro entre eles faces conhecidas, eu invisto a minha atenção. Mas não adianta, nenhum deles sou eu. E em busca da identidade estou rodopiando nesse centro, consumindo meu próprio tecido como busca de uma nova vestimenta.

Dentro do meu quarto há uma lâmpada que tudo ilumina, eu posso ver pela janela. Claramente está sentado em minha escrivaninha, fazendo trabalhar minha máquina de escrever. Estarão usando minhas idéias, estarão roubando meu espaço, meu pedaço do céu? E minha mãe agora os reconhece como filhos?

Mais que uma noite congelado frente à televisão, tenho medo dessa invasão...

E na beira da estrada, vejo o eco distante dos carros. Luzes lá longe, que distorcem minha visão desprotegida pela noite. Eu penso que vejo monstros. A estrada se abre diante de meus pés, a luz me encara e eu suspiro com asco. Não quero respirar. A luz me encara e eu só posso correr, estou cercado pelas cercas esquizofrênicas do meu intelecto. Fujo do carro acelerado.

E estou de volta dentro do poço. Escuto os gritos de minha mãe. Tento me esconder, ela está se aproximando. Ouço a velha gaita me perseguindo, meus pesadelos vêm à tona enquanto meu corpo afunda na água gelada. A outra louca, ela e o quinteto familiar, eles lideram o motim contra mim. Os ouvidos imergem enquanto uma seqüência de gargalhadas dissonantes espanta os morcegos e abre caminho na estreita passagem do poço. Estou assombrado, meu corpo congela o líquido e tudo fica viscoso.

Lá dentro a televisão ainda está ligada e contempla furiosa a sua audiência inexistente no sofá.

Fecham-se os olhos, para-se o relógio consciente. Permanecem ainda por muito tempo os sons arrepiantes, a gaita enferrujada e as escabrosas risadas escandalosas de escárnio. Infarto, parada respiratória e convulsão. Nada mais lembra a prometida revolução.

Silêncio.

Silêncio.

Silêncio.

O tempo passa, as eras mudam. Os ventos gélidos vão-se embora. A noite lentamente dá lugar a um azul tímido que começa a tingir o céu.

São constantes os batimentos em meu pulso e os olhos se abrem ao primeiro sinal de luz.

O vento da manhã começa finalmente a transpassar meu peito, e chegam ao olfato os odores de café-da-manhã. Amanhece e o corpo emerge da água fria, quente.

O relógio funciona ao serviço das mentes mortais, alimentado pelas doentes marcas das pressas temporais. Minha face reconstitui-se de pequenos momentos resgatados da boa memória, depois de limpos da inglória. Na rua as coisas continuam quase iguais. As pessoas caminham com os diferentes destinos, mas agora vejo um pedaço de mim em cada rosto.

Na passagem, na estrada que me levará ao céu, aparecem as primeiras marcas dos pneus me indicando o caminho.

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