7 de outubro de 2011

Fraude

"Não se aproxime. Estamos encerrados na inveja, somos terrivelmente rancorosos. Essa noite abriu minha mente para a realidade."


Essa história não poderia terminar bem, não poderia. Ele encontrou alguém mais bonito que nós. Ele tem alguém que não o deixará desamparado nunca mais, como outrora ele nos deixou. Não somos mais interessantes, um para o outro, nós para o coletivo. A unidade – apesar de nunca ter existido – é agora desfeita mesmo no plano teórico. Desunidos estamos.

E nas linhas curvilíneas de cada membro está escrito um pouco da nossa tragédia. Em cada olho luminoso, no fundo, brilhamos segurando uma lamparina fraca, fraca como nós. Estamos mordidos. Foi uma longa jornada de batalhas perdidas. E quem encontrou, finalmente, o caminho não fomos nós. Nós, tão cheios de soberba, os donos do mundo, sentados sobre aquela pedra, sobre aquele balaio. Ditando as ordens dos amores de outrem, sabendo o que ia e o que não devia, quem era, quem se desfazia. Fraude.

Vamos salvar nossa vida, se ainda tivermos alguma. Essa história não poderia terminar bem. Não ponho nessa depreciação a nossa indignação, porque não é bem esse o ponto. Deleite, sexo, espumantes quentes, beijos estratégicos. Coisas que nunca tivemos, quando nunca fomos realmente desejados. Ultraje. Depravação da pior categoria, depravação não aprovada por nosso conselho. E eu não estou feliz nesse poço. Onde as coisas só caem mais e mais sobre nossas cabeças. Não são os documentos que vão nos melhorar. É um problema continuado.

Jogados, esquecidos dentro do buraco. Acharam que esqueceríamos. Não nos classifico como indignados, não é essa a observação. Por dentro estamos instigados, invejando a felicidade do outro, o outro que está distante. Enquanto aqui estamos, perdidos debaixo deste céu estrelado. Estrelas demais. Inveja, rancor e unhas cravadas em um ciclo interminável. Quero encher os pulmões de câncer, depredar ainda mais essas vísceras traiçoeiras. Não nos bastamos, não fomos realmente desejados.

Ele tem alguém mais bonito que nós. O alguém que, a nós, estimula mais que ira, estimula outro desejo. E nessa trança não obtivemos nenhum dos corpos, nenhuma das mentes. Perdemo-lo para o outro, perdemos também o outro. Nós, os conselheiros fraudulentos. Nós, em macomunação conosco mesmo – não percebemos durante todo este tempo? Ele tem alguém que não o deixará desamparado nunca mais. E nós aqui, cheios de ousadia, de intransigência. Besteira, besteira!

Sem as convenções, sem as diversões, agora estamos aqui. Protegidos, murados da resistência, tentando impedir que nos conquistassem. Imaturo, eu, tu – nunca percebemos durante esse tempo: não somos o objeto do desejo. Não o fomos hoje, não seremos amanhã. Justamente amanhã quando assim estamos, acabados.

Essa noite abriu minha cabeça. Fumaça fria, gosto amargo na boca. Não fomos feitos para esse tipo de situação, não fomos, não fomos. A dor nos fez forte, estamos seguindo uma estrada para o singular. Interiormente, você sabe, queremos que tenham pena de nós. No máximo estamos estremecidos até as bases, solitários imersos em um mundo feliz. Estrelado demais. Não apontarei para ti se tirares este dedo da minha face. Não tenho companhia, nunca a tive.

Fraude.